A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NO DIREITO DESPORTIVO
29 de julho às 18:00
Por Roberto Joanilho Maldonado, Procurador de Justiça Desportiva do STJD do Futebol.
RESUMO
A prescrição da pretensão punitiva no direito desportivo exerce papel fundamental na garantia da segurança jurídica e da coerência processual no âmbito da Justiça Desportiva. O presente artigo analisa os prazos prescricionais previstos no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), destacando sua natureza material, os critérios legais para contagem dos prazos e as hipóteses de interrupção. Enfoca-se especialmente a controvérsia sobre a inclusão ou exclusão do chamado “dia final” na contagem do prazo em dias, com base na jurisprudência recente do STJD. Além disso, o estudo trata das situações em que o início do prazo se dá a partir da ciência da Procuradoria, bem como da inexistência de prescrição intercorrente no ordenamento desportivo. A partir de uma abordagem técnica e prática, propõe-se a uniformização do entendimento sobre a matéria, a fim de preservar a efetividade das sanções disciplinares e a credibilidade da Justiça Desportiva.
Palavras-chave: Justiça Desportiva; Prescrição; STJD; Pretensão Punitiva; CBJD.
ABSTRACT
The statute of limitations for punitive claims in Brazilian sports law plays a crucial role in ensuring legal certainty and procedural efficiency within the Sports Justice system. This article examines the disciplinary time limits established in the Brazilian Code of Sports Justice (CBJD), with special emphasis on the initial term, the method of counting days, months, and years, and the debate over whether the final day should be included in the calculation. The text also addresses specific cases in which the limitation period begins only upon the Sports Prosecutor's awareness of the infraction, the absence of intermediate prescription, and the legal effects of interruption. By analyzing jurisprudence and doctrinal positions, the study highlights existing inconsistencies and proposes interpretative alignment to ensure fairness, consistency, and adherence to the principles that govern Sports Justice.
Keywords: Sports Justice; Statute of Limitations; STJD; Disciplinary Sanctions; CBJD.
A Constituição Federal, em seu artigo 217, § 1º, assegurou a Justiça Desportiva a competência para processar e julgar as ações relativas à disciplina e às competições desportivas, sendo que o seu funcionamento deve seguir as regras da Lei Pelé (Lei nº 9.615/98), cuja matéria não foi derrogada pela Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023), sendo regida pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD.
Contudo, um dos temas importantes dentro do direito desportivo é o da prescrição da pretensão punitiva, que se refere a perda do direito da Procuradoria de denunciar uma infração disciplinar desportiva pela inércia no decorrer de um lapso temporal após a prática do ato infracional.
Em relação a prescrição punitiva disciplinar desportiva, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD, em seu artigo 165-A, estabelece:
Art. 165-A – Prescreve:
§ 1º - Em trinta dias, a pretensão punitiva disciplinar da Procuradoria relativa às infrações previstas nos arts. 250 a 258-D.
§ 2º - Em sessenta dias, a pretensão punitiva disciplinar da Procuradoria, quando esse Código não lhe haja fixado outro prazo.
[...]
§ 4º - Em oito anos, a pretensão punitiva disciplinar relativa a infrações por dopagem, salvo disposição diversa na legislação internacional sobre a matéria.
§ 5º - Em vinte anos, a pretensão punitiva disciplinar relativa as infrações dos arts. 237 e 238.
§ 6º - A pretensão punitiva disciplinar conta-se:
a) do dia que a infração se consumou;
b) do dia que cessou a atividade infracional , no caso de tentativa;
c) do dia em que cessou a permanência ou continuidade, nos casos de infrações permanentes ou continuados;
d) no dia em que o fato se tornou conhecido pela Procuradoria, nos casos em que a infração, por sua natureza, só puder ser conhecida em momento posterior àqueles mencionados na alíneas anteriores, como nos casos de falsidade.
Definidos pela legislação desportiva, resta analisar a prática processual referente a contagem de tais prazos prescricionais da pretensão punitiva.
A primeira questão relevante é que a prescrição punitiva no direito desportivo é de caráter material, devendo os prazos seguirem o disposto no artigo 10, do Código Penal Brasileiro, a saber:
Art. 10 - O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.
Outra questão relevante é que o prazo prescricional da pretensão punitiva não se prorroga na hipótese do dia final ocorrer em sábado, domingo, feriado ou dia que não houver expediente no respectivo Órgão da Justiça Desportiva, contudo tal prazo ficará suspenso durante o período de recesso do Órgão Judicante, nos termos do artigo 169-A, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD.
Porém, existe uma grande confusão jurídica pelos operadores do direito desportivo em relação ao dia do começo e a contagem dos prazos em dias, meses e anos.
Inicialmente, cumpre destacar, que tanto o artigo 10, do Código Penal como os incisos do § 6º, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD preveem que o dia da infração; da cessão da atividade infracional nos casos de tentativa ou infrações permanentes e continuadas ou do conhecimento do fato pela Procuradoria, é considerado o dia inicial da contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva (dia 01), independentemente do horário que tenha ocorrido o fato.
Quanto a contagem do prazo em dia, meses e anos, o mestre DAMASIO E. DE JESUS, in Código Penal Anotado (Editora Saraiva, 1989, 1989, pág.25), ao comentar o artigo 10, do Código Penal, no tópico “Calendário Comum”, assim preleciona, verbis:
“Os dias, os meses e os anos são contados pelo calendário comum. De acordo com o calendário gregoriano (comum), dia é o lapso temporal entre meia-noite e meia-noite. Os meses não são contados como sendo o período sucessivo de 30 dias (ex numero), mas sim de acordo com o numero característico de cada um (ex numeratione dierium). Em outros termos: para o Código Penal, o mês não tem 30 dias, mas 28, 29, 30 ou 31, conforme o calendário. A mesma regra é aplicada em relação ao ano. Assim, terá 365 dias, ou 366, se bissexto.”
Por tal premissa se chega à conclusão de que a contagem do prazo em dias é diferente da contagem do prazo em meses ou anos, sendo a contagem do prazo em dias realizada dia a dia pelo intervalo entre meia-noite e meia-noite, sendo que o dia 01 (inicial) é contado independentemente do horário da infração, podendo a mesma ter ocorrido as 11h ou as 23h e, por outro lado, a contagem do prazo em meses ou anos segue o padrão do lapso mensal, ou seja, do dia 01 do mês até o último dia do respectivo mês (dia final), adotando-se o critério que a contagem do prazo por mês corresponde do dia do mês até a véspera do mesmo dia do mês posterior e, do prazo por ano corresponde do dia do mês até a véspera do mesmo dia do mês no ano posterior.
Como exemplo prático da contagem do prazo em dias, podemos utilizar por analogia a contagem de prazo da prisão temporária. Vejamos: O Juiz determina a prisão temporária do indivíduo pelo prazo de 05 dias, sendo que a autoridade policial cumpre a ordem de prisão às 21h15 do dia 11 de fevereiro de 2025, devendo o indivíduo passar preso do dia 11 de fevereiro de 2025 (dia 01) até o dia 15 de fevereiro de 2025 (dia 05), conforme tabela abaixo:
Dia 01 11/02/2025 De 21h15 (horário da prisão) até meia-noite
Dia 02 12/02/2025 De meia noite a meia-noite
Dia 03 13/02/2025 De meia noite a meia-noite
Dia 04 14/02/2025 De meia noite a meia-noite
Dia 05 15/02/2025 De meia-noite até o horário da soltura, que não pode ultrapassar meia-noite
Por outro lado, quanto ao critério da contagem do prazo em meses e anos, o mesmo já é pacificado pelo entendimento jurisprudencial de nossos principais Tribunais Pátrios, conforme ementa abaixo colacionada:
“O prazo de prescrição é de natureza penal, expresso em anos, contando-se na forma preconizada no art. 10 do Código Penal, na linha do calendário comum, o que significa dizer que o prazo de um ano tem início em determinado dia e termina na véspera do mesmo dia do mês e ano subsequente. Os meses e anos são contados não ex numero, mas ex numeratione dierum, ou seja, não se atribui 30 dias para o mês, nem 365 dias para o ano, sendo irrelevante o número de dias do mês – 28, 29, 30, 31 -, mas o espaço entre duas datas idênticas de meses consecutivos” (STJ, REsp. 188.681-SC, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T., RT 785, p. 571).
Tal regra de contagem de prazo em meses e anos, leva a falsa impressão de que no prazo prescricional não se conta o dia final, pois sempre se utiliza “termina na véspera do mesmo dia do mês e ano subsequente”. Contudo tal fato ocorre porque no calendário gregoriano o mês é contado “ex numeratione dierum”, ou seja, por lapso temporal mensal (do dia 01 ao último dia do mês, seja 28. 29, 30 ou 31 dias, iniciando-se o novo mês no dia 01), sempre sendo a véspera do mesmo dia do mês subsequente o último dia do lapso temporal mensal.
Portanto, caso o prazo prescricional não contasse o dia final, o término do prazo em meses seria a antevéspera (e não a véspera, que é o último dia do lapso temporal) do mesmo dia do mês e ano subsequente.
Tal entendimento fica totalmente evidente pelo voto do REsp 188.681 – SC, cuja ementa foi acima transcrita, cujo prazo prescricional coincidentemente se encerrou no último dia no ano final, tendo o Colendo Superior Tribunal de Justiça entendido pela inexistência da prescrição, a saber:
Examinando-se o contexto dos autos, verifica-se que a denúncia foi recebida em 1º de julho de 1993 e a sentença condenatória publicada em 30 de junho de 1997. De consequência na precisa data em que transcorreria o prazo da prescrição – 04 anos -, ocorreu a sua interrupção, com a edição e publicação da sentença condenatória, nos termos do art. 117, IV, do Código Penal.
Assim decidiu o acórdão recorrido, que conferiu, portanto, ao art. 10, do Código Penal, a adequada exegese. E por isso, não merece qualquer censura, devendo ser prestigiado.
Observa-se, claramente, que o “decisum” acima reconhece que o ULTIMO DIA QUE TRANSCORRERIA O PRAZO PRESCRICIONAL deve ser considerado para fins de interrupção da prescrição.
Tanto é verdade, que o artigo 165-A, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD se utiliza do termo “PRESCREVE EM ...”, no mesmo sentido do termo “VERIFICANDO-SE EM ...” estabelecido no artigo 108, do Código Penal, ou seja, que a ocorrência da prescrição somente se opera após o término do prazo estabelecido pela legislação para o respectivo ato infrator.
Logo, para não pairar qualquer dúvida, segue a seguir um exemplo de infração disciplinar desportiva, levando em consideração a tipicidade da infração:
Infração cometida em competição realizada às 21h15 do dia 11 de fevereiro de 2025:
§ 1º, do artigo 165-A, do CBJD (30 dias) – o prazo prescricional se inicia no dia 11/02/2025 (dia 01) e se encerra a meia-noite no dia 12/03/2025 (dia 30)
§ 2º, do artigo 165-A, do CBJD (60 dias) – o prazo prescricional se inicia no dia 11/02/2025 (dia 01) e se encerra a meia-noite no dia 11/04//2025 (dia 60)
§ 4º, do artigo 165-A, do CBJD (8 anos) – o prazo prescricional se inicia no dia 11/02/2025 (dia 01) e se encerra a meia-noite no dia 10/02//2033 (8 anos)
§ 5º, do artigo 165-A, do CBJD (20 anos) – o prazo prescricional se inicia no dia 11/02/2025 (dia 01) e se encerra a meia-noite no dia 10/02//2045 (20 anos)
Todavia, recentemente, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, nos autos do Processo nº 331/2024, apesar de reconhecer que o prazo prescricional é de direito material e que se deve aplicar a regra do artigo 10, do Código Penal, de forma totalmente diversa do entendimento acima, entendeu que na contagem do prazo em dias deve ser excluído o “dia final”, ou seja, que a denúncia deve ser recebida no 29º dia ou 59º dia, sob pena de ocorrer a prescrição. Ao meu sentir tal equívoco surgiu em decorrência de confusão com o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o prazo prescricional em meses/anos “termina na véspera do mesmo dia do mês e ano subsequente”, o que não se aplica na contagem do prazo em dias.
Outrossim, observa-se, que o próprio Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, nos autos do Processo nº 286/2024, em julgamento anterior, reconheceu que o último dia para recebimento da denúncia seria o 30º dia, ou seja, entendeu que na contagem do prazo em dias deve ser incluído o “dia final”.
Portanto, resta evidente a existência de controvérsia sobre a matéria no âmbito do próprio Órgão Judicante, se esperando, que quando oportunizado, possa tal matéria ser reexaminada pelo Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol e reconhecido o entendimento de que na contagem do prazo prescricional deve ser incluído o “dia final”, sobretudo, porque o entendimento atual fere o artigo 165-A, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, reduzindo em 01 (um) dia a prazo prescricional da pretensão punitiva da Procuradoria estabelecido pelo legislador.
Outro tema de tamanha importância é acerca do inicio do prazo prescricional de 30 (trinta) dias, relacionado com as infrações previstas nos artigos 250 a 258-D (art. 165-A, § 6º, I, do CBJD), ou seja, as infrações relativas à disputa das partidas, provas ou competições.
Conforme dito alhures a regra geral é que o início do prazo deve ser contado da data da infração, contudo, algumas infrações, tendo em vista a sua natureza, por exemplo, no caso de uma expulsão de um dirigente e/ou jogador por “supostamente” falar algo para a equipe de arbitragem, a Procuradoria mesmo tendo acesso ao video da partida, somente tomará conhecimento da natureza da infração quando da publicação da Súmula, pois, desta forma, terá ciência do efetivo motivo que levou a expulsão (reclamação desrespeitosa (art. 258, § 2º, II), ameaça (art. 243-C), ofensa a honra (art. 243-F), etc), indispensável para o pleno exercício do oferecimento da denúncia, sendo, neste hipotese, aplicado o disposto no artigo 165-A, § 6º, d, do CBJD, sendo o inicio do prazo contado da efetiva ciência da infração pela Procuradoria, cuja mesma deve ocorrer, no máximo, no prazo previsto no artigo 195 da Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023).
Por fim, ainda se faz necessário aduzir que no âmbito do direito desportivo inexiste a figura da prescrição intercorrente (art. 165-B, do CBJD), bem como, que o prazo prescricional somente é interrompido pela instauração do inquérito ou oferecimento da denúncia (art. 168, do CBJD).
Assim, à guisa de conclusão, cabe afirmar:
i. a prescrição da pretensão punitiva se refere a perda do direito da Procuradoria de denunciar uma infração disciplinar desportiva pela inércia no decorrer de um lapso temporal após a prática do ato infracional;
ii. os prazos prescricionais da pretensão punitiva estão previstos no artigo 165-A, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD;
iii. a prescrição punitiva no direito desportivo é de caráter material, devendo os prazos seguirem o disposto no artigo 10, do Código Penal Brasileiro, sendo considerado o dia inicial da contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva (dia 01), independentemente do horário que tenha ocorrido o fato, o dia da infração, da cessão da atividade infracional nos casos de tentativa ou infrações permanentes e continuadas ou do conhecimento do fato pela Procuradoria;
iv. o prazo prescricional não se prorroga na hipótese de o dia final ocorrer em sábado, domingo, feriado ou dia que não houver expediente no respectivo Órgão da Justiça Desportiva, contudo tal prazo ficará suspenso durante o período de recesso do Órgão Judicante, nos termos do artigo 169-A, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD;
v. inexiste no âmbito do direito desportivo a figura da prescrição intercorrente (art. 165-B, do CBJD);
vi. o prazo prescricional somente é interrompido pela instauração do inquérito ou oferecimento da denúncia (art. 168, do CBJD);
vii. a contagem do prazo em dias é realizada dia a dia pelo intervalo entre meia-noite e meia-noite, sendo que o dia 01 (inicial) é contado independentemente do horário da infração, podendo a mesma ter ocorrido as 11h ou as 23h;
viii. a contagem do prazo em meses ou anos segue o padrão do lapso mensal, ou seja, do dia 01 do mês até o último dia do respectivo mês (dia final), adotando-se o critério que a contagem do prazo por mês corresponde do dia do mês até a véspera do mesmo dia do mês posterior e, do prazo por ano corresponde do dia do mês até a véspera do mesmo dia do mês no ano posterior;
ix. o último dia que transcorreria o prazo prescricional deve ser considerado para fins de interrupção da prescrição;
x. as infrações previstas nos arts. 250 a 258-D (art. 165-A, § 6º, I, do CBJD), ou seja, as infrações relativas à disputa das partidas, provas ou competições, a regra geral é de que o início do prazo deve ser contado da data da infração, contudo, em algumas infrações, tendo em vista a sua natureza, por exemplo, no caso de uma expulsão de um dirigente e/ou jogador por “supostamente” falar algo para a equipe de arbitragem, a Procuradoria mesmo tendo acesso ao video da partida, somente tomará conhecimento da natureza da infração quando da publicação da Súmula, pois, desta forma, terá ciência do efetivo motivo que levou a expulsão (reclamação desrespeitosa (art. 258, § 2º, II), ameaça (art. 243-C), ofensa a honra (art. 243-F), etc), indispensável para o pleno exercício do oferecimento da denúncia, sendo, neste hipotese, aplicado o disposto no artigo 165-A, § 6º, d, do CBJD, sendo o inicio do prazo contado da efetiva ciência da infração pela Procuradoria, cuja mesma deve ocorrer, no máximo, no prazo previsto no artigo 195 da Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023).