

JUSTIÇA DESPORTIVA – COMPETÊNCIA
09 de setembro às 17:00
Por Ronaldo Botelho Piacente¹
RESUMO:
Prevista na Constituição Federal, a Justiça Desportiva atua com autonomia, configurando-se como microssistema judicante de natureza constitucional, em que a celeridade figura entre seus princípios basilares.
A Justiça Desportiva é regulada pela Lei Pelé (9.615/1998) e pela Lei Geral do Esporte (14.597/2023), além de normas do Conselho Nacional do Esporte, como o Código de Justiça Desportiva (Resolução CNE nº 29/2009) e suas normas regulamentares nacionais e internas.
Este artigo examina a competência da Justiça Desportiva, abordando as principais regulamentações e a jurisprudência do STJ que reconhece a atuação exclusiva dos tribunais desportivos em processos relativos à disciplina e às competições desportivas. Ressaltando ainda que a Justiça Comum só pode ser acionada após esgotadas todas as instâncias na Justiça Desportiva.
Palavras-chave: Justiça Desportiva; STJD; Futebol Brasileiro; Constituição Federal.
ABSTRACT:
Provided in the Federal Constitution, the Sports Justice operates autonomously, configuring itself as a microsystem of adjudicative nature, in which speed is among its core principles.
The Sports Justice is regulated by the Pelé Law (Law 9,615/1998) and the General Sports Law (Law 14,597/2023), as well as by norms of the National Council of Sports, such as the Code of Sports Justice (CNE Resolution No. 29/2009) and its national and internal regulatory standards.
This article examines the competence of the Sports Justice, addressing the main regulations and the STJ jurisprudence that recognizes the exclusive action of sports tribunals in matters related to discipline and sports competitions. It also emphasizes that ordinary courts may only be invoked after all instances in the Sports Justice have been exhausted.
Keywords: Sports Justice; STJD; Brazilian Football; Federal Constitution.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL:
A Justiça Desportiva está prevista e reconhecida pela Constituição Federal (artigo 217 § 1º e §2º)
O mencionado artigo 217 § 1º e §2º dispõe sobre a obrigatoriedade das ações desportivas relativas às questões disciplinares, ocorridas nas competições, serem apreciadas pelo tribunal desportivo.
Artigo 217 da Constituição Federal:
É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não- formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
Ainda se destaca o (artigo 5º, LV da CF), que dispõe:
-aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Em que pese a Constituição Federal reconhecer a Justiça Desportiva, ela não integra o Poder Judiciário, eis que não consta no rol dos órgãos do Poder Judiciário, ex vi, artigo 92 da Carta Magna.
A Justiça Desportiva é regulamentada pela Lei Ordinária (Lei Pelé - 9.615/98) e (Lei Geral do Esporte 14.597/23), Resolução do Conselho Nacional do Esporte - Código de Justiça Desportiva (Resolução CNE nº 29/2009), Normas regulamentares nacional e internacional, princípios e regras gerais de hermenêutica, guardando verdadeira especificidade quanto a sua estrutura, instrumentalidade, formação e julgamentos.
Em especial, destaca-se de início a regra do artigo 5º, LV da CF aplicado de forma rigorosa pela Justiça Desportiva, assegurando aos litigantes a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.
LEI GERAL DO ESPORTE 14.597/23 – LEX SPORTIVA - ARTIGO 26 §1º - AUTONOMIA
A nova lei geral do esporte, trata expressamente sobre a harmonia do sistema transnacional denominado Lex Sportiva.
No seu § 1º do artigo 26 dispõe sobre a definição do Lex Sportiva, como sendo o sistema privado transnacional autônomo composto de organizações esportivas, suas normas e regras e dos órgãos de resolução de controvérsias, incluídos seus tribunais.
A Lex Sportiva é definida como um conjunto de normas e dispõe sobre a autonomia do direito desportivo.
Como conjunto de normas entende-se a aplicação da Constituição Federal, leis, resolução, códigos, regras e regulamentos que norteiam o esporte.
Note-se ainda que referido parágrafo 1º do artigo 26 dispõe que o Lex Sportiva é um sistema privado transnacional autônomo incluindo ao final os tribunais desportivos como parte desse sistema.
Em resumo, podemos concluir que a Lei Geral do Esporte, reconhece a Justiça Desportiva e sua autonomia no sistema desportivo.
LEI 9.615/98 – LEI PELÉ – ARTIGO 50
A Lei Pelé em seu artigo 50 dispõe sobre a organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, conforme definidos nos Códigos de Justiça Desportiva.
ARTIGO 1º DO CBJD
Por sua vez o artigo 1º do CBJD dispõe sobre a organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva brasileira e o processo desportivo, bem como a previsão das infrações disciplinares desportivas e de suas respectivas sanções, no que se referem ao desporto de prática formal.
CBJD – ARTIGO 24 – COMPETÊNCIA
O artigo 24 CBJD dispõe sobre a competência da Justiça Desportiva, nos seguintes termos: os órgãos da Justiça Desportiva, nos limites da jurisdição territorial de cada entidade de administração do desporto e da respectiva modalidade, têm competência para processar e julgar matérias referentes às competições desportivas disputadas e às infrações disciplinares cometidas pelas pessoas naturais ou jurídicas mencionadas no art. 1º, § 1º.
Pela leitura dos artigos supra mencionados, podemos concluir que a Justiça Desportiva tem competência para apreciar e julgar infrações disciplinares esportivas, porém essa competência não se limita apenas aos atletas ou ao que ocorre dentro do campo de jogo, ela é mais ampla, podendo analisar questões de regulamentos, resoluções, organizações desportivas (Confederação, Federações, Clubes e Ligas), árbitros, empregados, cargos ou funções, diretivos ou não, dirigentes, administradores, treinadores, médicos ou membros de comissão técnica, pessoas naturais e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas ao sistema nacional do desporto.
A Justiça Desportiva processa e julga as infrações disciplinares relativas à disciplina dos seus jurisdicionados, aplicando as seguintes penalidades:
I - advertência; II - eliminação; III - exclusão de campeonato ou torneio; IV - indenização; V - interdição de praça de desportos; VI - multa; VII - perda do mando do campo; VIII - perda de pontos; IX - perda de renda; X - suspensão por partida; XI - suspensão por prazo.
As penalidades disciplinares acima descritas não se aplicam aos menores de quatorze anos e aos atletas não profissionais.
Pela análise conjunta dos artigos 217, §§1º e 2º da CF, artigo 50 da Lei Pelé e artigos 1º e 24 do CBJD, podemos afirmar que nenhuma ação desportiva poderá ser proposta diretamente no Poder Judiciário, antes de esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva.
O STF – Supremo Tribunal Federal em Controle concentrado de constitucionalidade reconheceu a exceção do exaurimento da Justiça Desportiva antes de chegar-se ao Poder Judiciário.
No inciso XXXV do art. 5º, previu-se que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". (...) O próprio legislador constituinte de 1988 limitou a condição de ter-se o exaurimento da fase administrativa, para chegar-se à formalização de pleito no Judiciário. Fê-lo no tocante ao desporto, (...) no § 1º do art. 217 (...). Vale dizer que, sob o ângulo constitucional, o livre acesso ao Judiciário sofre uma mitigação e, aí, consubstanciando o preceito respectivo exceção, cabe tão só o empréstimo de interpretação estrita. Destarte, a necessidade de esgotamento da fase administrativa está jungida ao desporto e, mesmo assim, tratando-se de controvérsia a envolver disciplina e competições, sendo que a chamada Justiça desportiva há de atuar dentro do prazo máximo de sessenta dias, contados da formalização do processo, proferindo, então, decisão final – § 2º do art. 217 da CF.
[ADI 2.139 MC e ADI 2.160 MC, voto do red. do ac. min. Marco Aurélio, j. 13-5-2009, P, DJE de 23-10-2009.]
O STJ – Superior Tribunal de Justiça também reconhece a competência da Justiça Desportiva, inclusive em 27/11/2022 publicou matéria sobre o tema em sua página, conforme abaixo descrito;
“A Justiça e o esporte mais popular do mundo: o futebol na jurisprudência do STJ
Casos de indisciplina, violência e ofensas morais, em campo ou nas arquibancadas, frequentemente acabam se
transformando em processos judiciais – mas não necessariamente no Poder Judiciário, pois o esporte, no Brasil, tem sua Justiça própria.
As comissões disciplinares, os Tribunais de Justiça Desportiva e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) formam uma estrutura de direito privado – são órgãos arbitrais –, porém de interesse público, previstos na Constituição Federal. E é o texto constitucional que determina: o Poder Judiciário só deve atuar depois que estiverem esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva.
É bem verdade que alguns casos ocorridos no Desporto podem ser apreciados diretamente pelo Poder Judiciário, isso quando a conduta do ofensor não configurar transgressão de cunho estritamente esportivo, como exemplo: um atleta que agride o árbitro responderá na Justiça Desportiva por agressão física durante a partida à luz do disposto no artigo 254-A §3º e 4º do CBJD, porém se desse ato resultou responsabilidade civil, ele responderá pelas regras do Código Civil.
Em casos que a infração extrapola a esfera desportiva, a Justiça Comum, corretamente tem admitido ação independentemente de passar pelo crivo da Justiça Desportiva, até porque esta justiça especializada não tem competência para apreciar e julgar casos de competência cível ou de competência criminal. Porém a ação de indenização proposta diretamente na Justiça Comum não obsta a denúncia do infrator na Justiça Desportiva, que inclusive é um dever legal da Procuradoria.
O STJ já apreciou casos de responsabilidade civil relacionados ao esporte, conforme abaixo transcrito:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.762.786-SP (2018/0087018-1)² RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AGRESSÕES. FÍSICAS E VERBAL. MORAL. ÁRBITRO. PARTIDA DE FUTEBOL. RESPONSABILIDADE CIVIL. JOGADOR. ATO ILÍCITO. CONFIGURAÇÃO. CONDUTA. DESPROPORCIONALIDADE. DANO À HONRA E IMAGEM. CONFIGURAÇÃO. REPARAÇÃO DEVIDA. JUSTIÇA COMUM. CONDENAÇÃO. JUSTIÇA DESPORTIVA. IRRELEVÂNCIA.
Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
A controvérsia a ser dirimida no recurso especial reside em verificar se as agressões físicas e verbais perpetradas por jogador profissional contra árbitro de futebol, na ocasião de disputa da partida final de importante campeonato estadual de futebol, constituem ato ilícito indenizável na Justiça Comum, independentemente de eventual punição aplicada na esfera da Justiça Desportiva.
Nos termos da Constituição Federal e da Lei nº 9.615/1998 (denominada "Lei Pelé"), a competência da Justiça Desportiva limita-se a transgressões de natureza eminentemente esportivas, relativas à disciplina e às competições desportivas.
O alegado ilícito que o autor da demanda atribui ao réu, por não se fundar em transgressão de cunho estritamente esportivo, pode ser submetido ao crivo do Poder Judiciário Estatal, para que seja julgado à luz da legislação que norteia as relações de natureza privada, no caso, o Código Civil.
A conduta do jogador, mormente a sorrateira agressão física pelas costas, revelou-se despropositada e desproporcional, transbordando em muito o mínimo socialmente aceitável em partidas de futebol, apta a ofender a honra e a imagem do árbitro, que estava zelando pela correta aplicação das regras esportivas.
O evento no qual as agressões foram perpetradas, final do Campeonato Paulista de Futebol, envolvendo dois dos maiores clubes do Brasil, foi televisionado para todo o país, o que evidencia sua enorme audiência e, em consequência, o número de pessoas que assistiram o episódio.
Recurso especial conhecido e provido.
Como vimos na decisão acima, mesmo diante da existência de uma ação proposta na Justiça Comum, por um árbitro de futebol contra um atleta, tal ato, não isenta o ofensor pela infração disciplinar cometida, devendo responder á na Justiça Desportiva, podendo ser condenado com uma pena mínima de suspensão por 180 dias.
Outra questão que é de competência da Justiça Desportiva e da Justiça Comum, evidentemente respeitando-se a competência de cada tribunal, é a questão da segurança no estádio, pois havendo falha na segurança o clube mandante responsável pelo evento ou o clube visitante serão denunciados na Justiça Desportiva por deixar de tomar providencias capazes de prevenir e reprimir a desordem na sua praça de desporto, respondendo por infração ao artigo 213 do CBJD, podendo ser punido com multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais), e caso a desordem seja de elevada gravidade o clube ainda poderá ser punido com a perda de mando de até 10 (dez) partidas. Na mesma pena responderá o clube visitante caso tenha contribuído para o fato.
Porém caso os autores da desordem sejam identificados, apresentados à autoridade policial e lavrado boletim de ocorrência contemporâneo ao evento, o clube ficará isento da responsabilidade.
Na esfera cível, o mesmo fato (falta de segurança) será analisado na responsabilidade civil, mediante condenação em indenização por danos materiais e morais, conforme julgado do STJ, que abaixo se transcreve.
RECURSO ESPECIAL Nº 1924527 -PR (2020/0243009-2) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
EMENTA
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ESTATUTO DE DEFESA DO TORCEDOR. PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DA AGREMIAÇÃO MANDANTE DE ASSEGURAR A SEGURANÇA DO TORCEDOR ANTES, DURANTE E APÓS A PARTIDA. DESCUMPRIMENTO. REDUZIDO NÚMERO DE SEGURANÇAS NO LOCAL. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. INEXISTÊNCIA.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. JULGAMENTO: CPC/2015.
Ação de compensação de danos materiais e morais proposta em 07/04/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 18/11/2019 e atribuído ao gabinete em 02/02/2021.
O propósito recursal é decidir acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional e se, na hipótese dos autos, o clube de futebol recorrente é responsável pelos danos experimentados por torcedores em decorrência de atos violentos perpetrados por membros da torcida rival.
A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. Precedentes.
O Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT) foi editado com o objetivo de frear a violência nas praças esportivas, de modo a assegurar a segurança dos torcedores. O direito à segurança nos locais dos eventos esportivos antes, durante e após a realização da partida está consagrado no art. 13 do EDT. A responsabilidade pela prevenção da violência nos esportes é das entidades esportivas e do Poder Público, os quais devem atuar de forma integrada para viabilizar a segurança do torcedor nas competições.
Em caso de falha de segurança nos estádios, as entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes responderão solidariamente, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados ao torcedor (art. 19 do EDT). O art. 14 do EDT é enfático ao atribuir à entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e a seus dirigentes a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo. Assim, para despontar a responsabilidade da agremiação, é suficiente a comprovação do dano, da falha de segurança e do nexo de causalidade.
Segundo dessume-se do conteúdo do EDT, o local do evento esportivo não se restringe ao estádio ou ginásio, mas abrange também o seu entorno. Por essa razão, o clube mandante deve promover a segurança dos torcedores na chegada do evento, organizando a logística no entorno do estádio, de modo a proporcionar a entrada e a saída de torcedores com celeridade e segurança.
Na hipótese dos autos, o episódio violento ocorreu no entorno do estádio, na área reservada especialmente aos torcedores do Goiás Esporte Clube. Tanto é assim que o segundo recorrido e seus amigos conseguiram correr para dentro do estádio para se proteger, local que também acabou sendo invadido pelos torcedores adversários. Sendo a área destinada aos torcedores do Goiás, o recorrente deveria ter providenciado a segurança necessária para conter conflitos entre opositores, propiciando a chega segura dos torcedores daquela agremiação no local da partida. Mas não foi o que ocorreu, porquanto o reduzido número de seguranças no local não foi capaz de impedir a destruição do veículo de propriedade do primeiro recorrido.
Para que haja o rompimento do nexo causal, o fato de terceiro, além de ser a única causa do evento danoso, não deve apresentar qualquer relação com a organização do negócio e os riscos da atividade. Na espécie, não está configurada tal excludente de responsabilidade, porquanto a entidade mandante tem o dever legal de assegurar a segurança do torcedor no interior e no entorno do estádio antes, durante e após a partida e essa obrigação foi descumprida pelo recorrente, à medida em que não disponibilizou seguranças em número suficiente para permitir a chegada ao estádio, em segurança, dos torcedores do time do Goiás Esporte Clube, o que permitiu que eles fossem encurralados por torcedores da agremiação adversária, os quais, munidos de foguetes e bombas, depredaram o veículo em que estavam o segundo recorrido e seus amigos. Ademais, os atos de violência entre torcedores adversários são, lamentavelmente, eventos frequentes, estando relacionados com a atividade desempenhada pela agremiação.
Entre os acórdãos trazidos à colação, não há similitude fática, elemento indispensável à demonstração da divergência.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília, 15 de junho de 2021. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora.
CBJD – §2º, ARTIGO 48 – SUSPENSÃO, DESFILIAÇÃO OU DESVINCULAÇÃO COMPETÊNCIA
O “caput” do artigo 48 do CBJD autoriza as organizações desportivas (Confederação, Federação e Clubes) aplicarem sanções com o objetivo de manter a ordem desportiva, como: advertência, censura escrita, multa, suspensão, desfiliação ou desvinculação, sanções essas que não prescindem do processo administrativo, contraditório e ampla defesa.
Porém, as sanções de suspensão, desfiliação ou desvinculação somente poderão ser aplicadas pela organização desportiva após decisão definitiva da Justiça Desportiva.
Note-se que nos casos específicos de suspensão, desfiliação ou desvinculação, as penalidades somente poderão ser aplicadas após o devido processo legal, ampla defesa e contraditório na Justiça Desportiva.
Portanto, a competência exclusiva para questões de suspensão, desfiliação ou desvinculação é da Justiça Desportiva.
CITAÇÕES:
1 Advogado. Procurador-geral do STJD do Futebol na gestão 2020/2024 e Presidente do STJD entre os anos de 2016 e 2018.
2 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/27112022-A-Justica- e-o-esporte-mais-popular-do-mundo-o-futebol-na-jurisprudencia-do-STJ.aspx


Do STJD à FIFA: Internacionalização da pena no Direito Desportivo
23 de julho às 15:01
Por Luís Otávio Veríssimo Teixeira, Presidente do STJD do Futebol.
RESUMO:
A crescente globalização do futebol profissional vem acompanhada de desafios aos modelos tradicionais de jurisdição no âmbito do direito desportivo. A circulação internacional de atletas e dirigentes, a integração da lex sportiva promovida por entidades como a FIFA e a CBF, bem como a consolidação dos mecanismos de cooperação entre entidades nacionais do desporto fomentaram relevante discussão sobre os limites e a efetividade das sanções aplicadas pelos tribunais desportivos nacionais.
Nesse cenário, emerge a questão da internacionalização da pena desportiva, isto é, a possibilidade de que sanções disciplinares impostas por órgãos como o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) superem as fronteiras nacionais.
O presente artigo busca investigar os pressupostos jurídicos, normativos e práticos que envolvem a circulação internacional das penas no futebol, com especial atenção ao papel desempenhado pelo STJD nesse mecanismo, mediante breve análise do sistema sancionatório previsto no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), das competências e limites da jurisdição desportiva nacional e dos mecanismos de articulação com normas internacionais, especialmente as oriundas da FIFA.
Palavras-chave: Justiça Desportiva; STJD; Internacionalização da Pena; FIFA; Direito Desportivo Internacional.
ABSTRACT
The growing globalization of professional football has brought significant challenges to traditional jurisdictional models within sports law. The international mobility of athletes, club officials, and other sports agents, the integration of the lex sportiva promoted by entities such as FIFA and CBF, and the consolidation of cooperation mechanisms among national sports organizations have sparked debate on the limits and effectiveness of sanctions imposed by national sports tribunals. Within this context, the issue of the internationalization of sports sanctions arises — namely, the possibility for disciplinary penalties imposed by bodies such as the Brazilian Superior Sports Court of Football (STJD) to extend beyond national borders.
This article examines the legal, regulatory, and practical foundations that support the international circulation of disciplinary sanctions in football, with special focus on the role played by the STJD in this process. It presents an analysis of the sanctioning system provided for in the Brazilian Code of Sports Justice (CBJD), the scope and limits of national jurisdiction, and the articulation with international norms, especially those established by FIFA.
Keywords: Sports Justice; STJD; Internationalization of Sanctions; FIFA; International Sports Law.
1. O SISTEMA SANCIONATÓRIO NO DIREITO DESPORTIVO BRASILEIRO E O INSTITUTO DA INTERNACIONALIZAÇÃO DA PENA:
O Direito Desportivo brasileiro estrutura seu regime punitivo a partir do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), norma de caráter infralegal que disciplina as infrações e sanções no contexto das competições organizadas por entidades filiadas ao sistema nacional do desporto. Sob a luz do art. 217 da Constituição Federal (CF) , o CBJD integra um subsistema jurídico especializado, que goza de autonomia funcional e decisória, e que possui estrutura própria, ritos específicos e finalidades adequadas às particularidades do ambiente esportivo.
O CBJD prevê sanções que vão desde advertências, multas e suspensões, até perda de pontos, exclusão de campeonatos e banimentos, aplicáveis a atletas, clubes, dirigentes, árbitros e demais agentes desportivos jurisdicionados. A competência para aplicação dessas penalidades é atribuída, em âmbito nacional, ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD) - instância máxima para o futebol brasileiro.
Entretanto, apesar da legitimidade e do alcance interno das sanções eventualmente aplicadas, as decisões do STJD não irradiam necessariamente efeitos automáticos além da jurisdição doméstica. Esse limite prático da jurisdição traz à tona problema central vinculado às penas desportivas: como assegurar a efetividade e a continuidade da punição quando o agente sancionado se transfere para um clube estrangeiro ou passa a atuar em outra jurisdição?
Trata-se de questão não meramente hipotética, mas amplamente presente na prática esportiva forense, vez que recorrentes os episódios de tentativa de esvaziamento da sanção disciplinar nacional por meio de transferências internacionais estratégicas, com clubes estrangeiros contratando atletas punidos no Brasil durante o período de cumprimento da pena.
A legislação nacional ainda não oferece resposta expressa a essa problemática. Ao contrário, o art. 171, §4º do CBJD prevê apenas que a pena imposta no Brasil poderá ser suspensa caso o apenado passe a atuar no exterior, devendo retomar o cômputo a partir do retorno ao cenário desportivo interno, salvo ocorrência de prescrição da pena.
O que se verifica, na prática, é uma lacuna normativa que reflete a visão da legislação desportiva nacional que ainda é muito centrada na lógica da territorialidade, corrente que contrasta com a dinâmica transnacional do futebol contemporâneo.
É nesse ponto que se tornam essenciais os pressupostos jurídicos e normativos da circulação internacional das penas, os quais a despeito de não se encontrarem definidos no CBJD, têm guarida em instrumentos normativos internacionais como o Código Disciplinar da FIFA e o Regulations on the Status and Transfer of Players (RSTP). Ambos os regulamentos estabelecem os critérios, procedimentos e requisitos para que sanções impostas pela justiça desportiva nacional possam ser estendidas e reconhecidas por outras jurisdições, de modo a garantir, por exemplo, a eficácia global das medidas disciplinares aplicadas aos jurisdicionados do STJD.
O pressuposto jurídico da internacionalização da pena é, portanto, a existência de uma decisão válida e fundamentada no âmbito nacional, que necessita produzir efeitos a nível global, sob pena de esvaziamento da sanção. O pressuposto normativo reside na existência dos sobreditos regulamentos internacionais, os quais se aplicam ao contexto brasileiro por força hierárquica. E, por fim, o pressuposto prático passa pela formulação de mecanismos de cooperação eficazes entre o STJD, a CBF e os órgãos internacionais (FIFA e, eventualmente, o Tribunal Arbitral do Esporte – TAS/CAS), capazes de concretizar a referida circulação.
2. ALCANCE E LIMITES DA JURISDIÇÃO DO STJD DO FUTEBOL:
O STJD integra o sistema nacional da Justiça Desportiva brasileira como órgão de cúpula, com competência para julgar, em grau recursal, as decisões das Comissões Disciplinares e dos Tribunais de Justiça Desportiva estaduais, além de atuar originariamente em casos previstos na legislação.
Nos termos do art. 1º do seu Regimento Interno e do art. 1º do CBJD, a jurisdição do STJD se limita ao território nacional e às entidades que compõem o sistema federativo do futebol brasileiro. Essa delimitação reflete o princípio da especialização funcional da Justiça Desportiva, concebida constitucionalmente como uma instância prévia e autônoma, voltada à pacificação dos litígios decorrentes da prática esportiva, com ênfase na celeridade e na tecnicidade dos julgamentos.
A jurisdição do STJD, portanto, é exercida no âmbito das relações desportivas regidas pelo ordenamento jurídico nacional, sendo sua eficácia territorialmente circunscrita às entidades vinculadas à CBF. Logo, em regra, suas decisões não produzem efeitos automáticos fora do Brasil nem vinculam as entidades desportivas estrangeiras ou demais associações membro vinculadas à FIFA.
Contudo, ainda que a jurisdição material do Tribunal não ultrapasse as fronteiras nacionais, essa limitação formal da jurisdição não impede que o STJD exerça papel ativo na articulação de medidas com alcance internacional, vez que suas decisões podem desencadear efeitos globais quando submetidas aos mecanismos previstos nos regulamentos internacionais, como ocorre nos casos de extensão de sanções pelo Comitê Disciplinar da FIFA.
Nesse sentido, é preciso distinguir a jurisdição propriamente dita, enquanto poder de decidir dentro de um determinado sistema jurídico, da capacidade e do dever de influenciar efeitos transnacionais por meio de instrumentos de cooperação institucional. A atuação do STJD se esgota nos limites da jurisdição nacional, mas o dever de proteção da integridade esportiva pode irradiar efeitos para além dela, desde que em conformidade com os mecanismos regulatórios previstos pela lex sportiva.
3. A PENA DESPORTIVA EM PERSPECTIVA INTERNACIONAL:
Em um ambiente marcado pela circulação constante de atletas, técnicos e dirigentes entre clubes de diferentes países, a eficácia das penas disciplinares no futebol não pode mais ser analisada exclusivamente sob a ótica da jurisdição nacional.
O respeito à integridade desportiva depende, cada vez mais, de mecanismos normativos capazes de assegurar que sanções impostas pela Justiça Desportiva nacional tenham continuidade e reconhecimento em outras jurisdições, sob pena de tornarem as penalidades inócuas.
A lógica é simples, a transferência internacional não pode servir de subterfúgio para neutralizar a punição decorrente de condutas que atentam contra as regras e noções de ética que regem o futebol.
É nesse contexto que se insere o mecanismo previsto pelo art. 70 do Código Disciplinar da FIFA, que prevê procedimento específico para que sanções disciplinares impostas no âmbito nacional possam ser estendidas para que produzam efeitos transnacionais.
O referido dispositivo impõe um conjunto de condições objetivas e formais para verificação da legitimidade da ampliação da sanção submetida à apreciação. Alguns desses requisitos incluem a gravidade da infração, a citação e comunicação válida da parte sancionada e, sobretudo, a existência de manifestação expressa que solicita a extensão global da pena.
Não se trata de reavaliar o mérito da decisão. O Comitê Disciplinar da FIFA, órgão ao qual é submetido esse tipo de requerimento, não revisa os fatos ou fundamentos da punição. Sua competência limita-se a confirmar se a sanção pode circular globalmente de modo legítimo, sem qualquer ofensa à ordem pública ou aos padrões éticos adotados pela entidade.
Portanto, cabe à (con)federação nacional interessada apresentar o requerimento à FIFA, instruindo-o com toda a documentação comprobatória da legalidade, validade e regularidade do procedimento sancionador. Disso decorre a importância do papel do STJD na rigorosa observância aos ritos processuais e às garantias do devido processo legal, tanto em suas próprias decisões quanto naquelas oriundas dos Tribunais de Justiça Desportiva estaduais que alcancem à instância superior, de modo a garantir a solidez procedimental construída na instância nacional.
A extensão, uma vez deferida, produz efeitos automáticos em todas as entidades filiadas à FIFA, com o mesmo peso de uma sanção imposta por qualquer uma delas. Assim, a pena deixa de estar restrita ao território da federação de origem e passa a ser reconhecida globalmente, garantindo a efetividade da punição e impedindo a evasão por meio de novas inscrições internacionais.
Outro dispositivo fundamental nesse regime de circulação internacional da pena é o art. 12.2 do RSTP, segundo o qual as sanções disciplinares de suspensão, uma vez deferida a extensão pela FIFA e superiores a quatro partidas ou três meses, devem ser respeitadas por toda e qualquer nova associação a que venha a se vincular o apenado.
Assim, um jurisdicionado suspenso em sua associação de origem permanece inelegível para atuar até o cumprimento definitivo da pena, ainda que se transfira a outra federação nacional. Esse artigo funciona como complemento operacional ao art. 70 do Código Disciplinar e confere efetividade ao sistema.
O caso envolvendo o jogador Alef Manga ilustra perfeitamente a aplicação prática e eficaz desses dispositivos. Em 2023, no bojo da Operação Penalidade Máxima, deflagrada pelo Ministério Público de Goiás para apurar esquema de manipulação de resultados em troca de vantagens financeiras, o atleta confessou participação em um dos episódios investigados. Julgado pelo STJD, foi suspenso por 360 dias e multado em R$ 50 mil (cinquenta mil reais), em decisão ratificada pelo Pleno. À época da sanção, o atleta atuava pelo clube Pafos, do Chipre, emprestado pelo Coritiba logo após ter notícia da formalização da sua denúncia no âmbito desportivo.
Inicialmente, a sanção tinha efeitos apenas em território nacional, o que permitiu ao jogador seguir atuando no futebol cipriota mesmo após a decisão do STJD. No entanto, após requerimento da CBF com fundamento no art. 70 do Código Disciplinar, a FIFA ampliou a suspensão para todas as federações filiadas, impedindo o jogador de continuar atuando no exterior. O Comitê Disciplinar da FIFA notificou o atleta, tornando a sanção válida mundialmente a partir de 31 de julho de 2023, o que levou o clube estrangeiro a acionar cláusula contratual que previa a rescisão automática em caso de punição disciplinar.
Casos semelhantes, como os de Eduardo Bauermann, Gabriel Tota, Paulo Miranda e outros atletas envolvidos no esquema de apostas, seguiram a mesma lógica: após julgamento e condenação pelo STJD, os efeitos das penalidades foram estendidos a nível global, em iniciativa que consolidou um case de sucesso no combate à manipulação de resultados em escala transnacional.
A jurisprudência formada demonstra que, embora o CBJD não contenha previsão expressa sobre a eficácia internacional das penas, o sistema normativo internacional permite a harmonização das sanções e impede que atletas punidos se refugiem em outras jurisdições para driblar as consequências de seus atos.
Esse regime de cooperação demonstra maturidade institucional do STJD e reforça o papel do Tribunal como agente de proteção da integridade esportiva também no plano internacional, ainda que sua jurisdição seja formalmente limitada ao território nacional.
4. CONCLUSÃO:
A internacionalização da pena no âmbito do direito desportivo configura um dos grandes desafios da governança esportiva no futebol contemporâneo. A crescente mobilidade transnacional de atletas, dirigentes e demais agentes desportivos gerou um cenário no qual sanções aplicadas por Tribunais de Justiça Desportiva nacionais correm o risco de se tornarem ineficazes, caso não haja mecanismos de reconhecimento e continuidade em outras jurisdições.
Diante desse contexto, torna-se indispensável que a Justiça Desportiva nacional esteja apta a articular-se com normas e instituições situadas para além de suas fronteiras formais de competência, a fim de garantir o cumprimento de suas decisões e a proteção da integridade das competições. O dever de zelar pelo respeito às penas impostas não se limita ao plano doméstico, mas alcança a esfera internacional por meio da colaboração com os organismos que compõem o sistema global da lex sportiva.
Nesse cenário, o STJD do Futebol, embora possua jurisdição formalmente restrita ao território nacional, tem desempenhado papel central na consolidação de um sistema desportivo cooperativo e alinhado aos parâmetros internacionais. A utilização dos instrumentos previstos no art. 70 do Código Disciplinar da FIFA e no art. 12.2 do RSTP tem permitido que decisões da Justiça Desportiva brasileira sejam reconhecidas e executadas em âmbito mundial, impedindo que condutas graves fiquem impunes em razão da fragmentação jurisdicional.
Conclui-se, portanto, que a ausência de previsão expressa no CBJD quanto à eficácia internacional das sanções não representa obstáculo para a atuação global da Justiça Desportiva brasileira. Desde que seus órgãos atuem com responsabilidade institucional, rigor técnico e respeito às garantias processuais.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
BRASIL. Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD. Resolução CNE nº 29, de 10 de dezembro de 2009. Disponível em: https://www.stjd.org.br/. Acesso em: 15 de julho de 2025.
BRASIL. Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD). Aprovado em Sessão Plenária de 04 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://www.stjd.org.br/. Acesso em: 15 de julho de 2025.
FIFA. FIFA Disciplinary Code. 2025 edition. Zurich: Fédération Internationale de Football Association, 2025. Disponível em: https://inside.fifa.com/legal/documents. Acesso em 15 de julho de 2025.
FIFA. Regulations on the Status and Transfer of Players – RSTP. 2023 edition. Zurich: Fédération Internationale de Football Association, 2023. Disponível em: https://inside.fifa.com/legal/documents. Acesso em: 15 de julho de 2025.
GLOBO ESPORTE. Manipulação: FIFA torna mundial a suspensão de Alef Manga, ex-Coritiba. 31 out. 2023. Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2023/10/31/manipulacao-fifa-torna-mundial-a-suspensao-de-alef-manga-ex-coritiba.ghtml. Acesso em: 15 de julho de 2025.


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E ARBITRAGEM NO ESPORTE: AVANÇOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS FUTURAS
29 de abril às 15:30
Por Aline Gonçalves Jatahy, Auditora da 6ª Comissão Disciplinar
RESUMO
O presente artigo analisa os impactos da inteligência artificial (IA) na arbitragem esportiva, com ênfase na utilização de tecnologias como o VAR (Video Assistant Referee), Hawk-Eye e Goal-Line Technology. Embora tais sistemas contribuam para maior precisão e redução de erros nas decisões, sua implementação suscita relevantes questionamentos jurídicos, especialmente no que tange à responsabilidade por falhas, à autonomia do árbitro e às adaptações nas regras esportivas. A ausência de regulamentação específica agrava tais desafios, exigindo discussões aprofundadas no âmbito doutrinário e legislativo. Conclui-se que o futuro da arbitragem esportiva reside na adoção de um modelo híbrido, em que a inteligência artificial atue como ferramenta de apoio à expertise humana, assegurando justiça sem comprometer a essência do esporte.
Palavras-chave: Arbitragem esportiva. Inteligência artificial. VAR. Responsabilidade jurídica. Tecnologia no esporte.
ABSTRACT
This article analyzes the impact of artificial intelligence (AI) on sports refereeing, with an emphasis on technologies such as Video Assistant Referee (VAR), Hawk-Eye, and Goal-Line Technology. Although these systems enhance the accuracy and reduce errors in decision-making, their implementation raises significant legal concerns, particularly regarding liability for failures, referee autonomy, and changes in sports rules. The lack of specific regulation aggravates these issues, demanding deeper doctrinal and legislative discussions. The study concludes that the future of sports refereeing lies in adopting a hybrid model, where AI acts as a support tool to human expertise, ensuring fairness without compromising the essence of sports.
Keywords: Sports refereeing. Artificial intelligence. VAR. Legal liability. Sports technology.
INTRODUÇÃO
O uso da inteligência artificial (IA) no esporte tem se tornado cada vez mais comum, especialmente na arbitragem esportiva. Sistemas como o VAR (Video Assistant Referee) e o Hawk-Eye são exemplos da aplicação de tecnologia na tomada de decisões em competições de alto nível. No entanto, a implementação da IA na arbitragem levanta uma série de questionamentos jurídicos, incluindo a confiabilidade da tecnologia, a responsabilidade por erros e a compatibilidade com os princípios do direito desportivo. Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo analisar os impactos da inteligência artificial na arbitragem esportiva, abordando legislações aplicáveis, jurisprudência relevante e o posicionamento de doutrinadores sobre o tema. Ao final, será feita uma reflexão sobre o futuro da arbitragem esportiva diante da crescente automatização das decisões.
O USO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA ARBITRAGEM ESPORTIVA
A arbitragem esportiva tradicionalmente depende da interpretação humana, sujeita a erros e controvérsias. Com o avanço da tecnologia, a IA tem sido empregada para minimizar falhas e garantir maior precisão nas decisões. Alguns dos principais sistemas utilizados incluem: • VAR (Árbitro Assistente de Vídeo): utilizado no futebol para revisar lances polêmicos, como impedimentos e pênaltis. • Hawk-Eye: empregado no tênis e no futebol para verificar se a bola cruzou a linha do gol ou da quadra. • Goal-Line Technology: sistema específico para detectar gols, eliminando dúvidas sobre se a bola ultrapassou a linha. A introdução dessas tecnologias foi acompanhada de intensos debates sobre a autonomia do árbitro, a interferência na dinâmica do jogo e a confiabilidade das decisões automatizadas. No Brasil, a regulamentação da arbitragem esportiva está prevista no Código Brasileiro de
Justiça Desportiva (CBJD) e no Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003), que preveem o uso de meios tecnológicos para auxiliar a arbitragem.
ASPECTOS JURÍDICOS E CONTROVÉRSIAS
Responsabilidade por Erros da IA
Uma das principais preocupações no uso da IA na arbitragem esportiva é a responsabilidade por eventuais erros ou falhas nos sistemas tecnológicos. No caso do VAR, por exemplo, há situações em que a interpretação das imagens não é objetiva, o que pode levar a decisões equivocadas. Em 2023, o Tribunal Arbitral do Esporte (CAS/TAS) julgou um caso envolvendo um erro do VAR na Premier League, em que um gol foi invalidado indevidamente devido a uma falha no software. O Código de Justiça Desportiva não prevê explicitamente a responsabilidade por decisões baseadas em tecnologia, o que gera um vácuo normativo. Doutrinadores como José Manuel Meirim defendem que a responsabilidade deve ser compartilhada entre as entidades esportivas e os fornecedores de tecnologia, enquanto outros, como Ruy Júnior, argumentam que o árbitro continua sendo o responsável final pela decisão.
Princípio da Autonomia do Árbitro e a IA
Outro ponto de debate é a relação entre a IA e o princípio da autonomia do árbitro. Segundo José Manuel Meirim, a arbitragem esportiva deve manter a soberania do árbitro na interpretação dos lances, sendo a tecnologia apenas um suporte. No entanto, há uma crescente dependência dos árbitros em relação ao VAR, o que levanta questionamentos sobre se a tecnologia estaria, de fato, substituindo a autoridade do árbitro humano. No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) já analisou casos em que árbitros alegaram falha do VAR para justificar decisões erradas, reforçando a necessidade de regulamentação específica sobre a responsabilidade do uso da IA.
Impacto nas Regras Esportivas
A implementação da IA também tem exigido adaptações nas regras dos esportes. Em 2022, a International Football Association Board (IFAB) aprovou mudanças para otimizar o uso do VAR, permitindo maior transparência na comunicação das decisões. No tênis, a ATP e a WTA autorizaram a substituição de árbitros de linha pelo Hawk-Eye em determinados torneios, gerando debates sobre a possível extinção de algumas funções de arbitragem humana.
PERSPECTIVAS FUTURAS: O PAPEL DA IA NA ARBITRAGEM ESPORTIVA
Diante da crescente incorporação da IA na arbitragem esportiva, algumas tendências e desafios podem ser apontados para o futuro: 1. Aprimoramento da Tecnologia: espera-se que os sistemas de arbitragem assistida se tornem mais precisos e rápidos, reduzindo ainda mais os erros. 2. Criação de Regulamentação Específica: órgãos como a FIFA e o COI devem desenvolver regras mais detalhadas sobre o uso da IA incluindo a responsabilidade por falhas. 3. Maior Transparência: tecnologias de inteligência artificial podem permitir que torcedores e atletas tenham acesso em tempo real às decisões arbitrárias, reduzindo polêmicas. 4. Discussão sobre o Limite da Automatização: um grande desafio será definir até que ponto a arbitragem deve ser automatizada sem comprometer a essência do esporte. Como destaca José Manuel Meirim, “a tecnologia não pode substituir a justiça esportiva, mas pode ser um instrumento para sua concretização”. Essa visão sugere que o futuro da arbitragem esportiva não está na eliminação do árbitro humano, mas na criação de um modelo híbrido, em que a inteligência artificial e a expertise humana atuem conjuntamente.
CONCLUSÃO
A inteligência artificial já é uma realidade na arbitragem esportiva, trazendo benefícios significativos, como maior precisão e redução de erros. No entanto, ainda há desafios a serem enfrentados, especialmente no que diz respeito à responsabilidade por decisões automatizadas e à preservação da autonomia do árbitro. No âmbito jurídico, a ausência de regulamentação específica sobre o uso da IA na arbitragem esportiva reforça a necessidade de debates aprofundados e de uma legislação clara para garantir a segurança jurídica das competições. No futuro, a tendência é que a tecnologia continue evoluindo, tornando-se cada vez mais presente no esporte. Contudo, é essencial que sua implementação ocorra de forma equilibrada, garantindo que a justiça esportiva seja fortalecida sem comprometer a essência das competições.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
IFAB. Regras do Jogo 2022/2023. Disponível em: https://www.theifab.com/. Acesso em: 4 fev. 2025. MEIRIM, José Manuel. A Arbitragem no esporte e a tecnologia. Lisboa: Almedina, 2022. RUY JÚNIOR. VAR e a responsabilidade jurídica do árbitro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. TRIBUNAL ARBITRAL DO ESPORTE (CAS/TAS). Decisões recentes sobre VAR e arbitragem esportiva. Disponível em: https://www.tas-cas.org/. Acesso em: 4 fev. 2025.
Membros

Presidente
Luís Otávio Veríssimo Teixeira

Vice Presidente
Maxwell Borges de Moura Vieira

Corregedor geral
Maxwell Borges de Moura Vieira

Vice Presidente Administrativo