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Pesquisa Geral



JUSTIÇA DESPORTIVA – COMPETÊNCIA

JUSTIÇA DESPORTIVA – COMPETÊNCIA

09 de setembro às 17:00

Por Ronaldo Botelho Piacente¹

RESUMO:

Prevista na Constituição Federal, a Justiça Desportiva atua com autonomia, configurando-se como microssistema judicante de natureza constitucional, em que a celeridade figura entre seus princípios basilares.

A Justiça Desportiva é regulada pela Lei Pelé (9.615/1998) e pela Lei Geral do Esporte (14.597/2023), além de normas do Conselho Nacional do Esporte, como o Código de Justiça Desportiva (Resolução CNE nº 29/2009) e suas normas regulamentares nacionais e internas.

Este artigo examina a competência da Justiça Desportiva, abordando as principais regulamentações e a jurisprudência do STJ que reconhece a atuação exclusiva dos tribunais desportivos em processos relativos à disciplina e às competições desportivas. Ressaltando ainda que a Justiça Comum só pode ser acionada após esgotadas todas as instâncias na Justiça Desportiva.

Palavras-chave: Justiça Desportiva; STJD; Futebol Brasileiro; Constituição Federal.

ABSTRACT:

Provided in the Federal Constitution, the Sports Justice operates autonomously, configuring itself as a microsystem of adjudicative nature, in which speed is among its core principles.

The Sports Justice is regulated by the Pelé Law (Law 9,615/1998) and the General Sports Law (Law 14,597/2023), as well as by norms of the National Council of Sports, such as the Code of Sports Justice (CNE Resolution No. 29/2009) and its national and internal regulatory standards.

This article examines the competence of the Sports Justice, addressing the main regulations and the STJ jurisprudence that recognizes the exclusive action of sports tribunals in matters related to discipline and sports competitions. It also emphasizes that ordinary courts may only be invoked after all instances in the Sports Justice have been exhausted.

Keywords: Sports Justice; STJD; Brazilian Football; Federal Constitution.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

A Justiça Desportiva está prevista e reconhecida pela Constituição Federal (artigo 217 § 1º e §2º)

O mencionado artigo 217 § 1º e §2º dispõe sobre a obrigatoriedade das ações desportivas relativas às questões disciplinares, ocorridas nas competições, serem apreciadas pelo tribunal desportivo.

Artigo 217 da Constituição Federal:

É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não- formais, como direito de cada um, observados:

I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

Ainda se destaca o (artigo 5º, LV da CF), que dispõe:

-aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Em que pese a Constituição Federal reconhecer a Justiça Desportiva, ela não integra o Poder Judiciário, eis que não consta no rol dos órgãos do Poder Judiciário, ex vi, artigo 92 da Carta Magna.

A Justiça Desportiva é regulamentada pela Lei Ordinária (Lei Pelé - 9.615/98) e (Lei Geral do Esporte 14.597/23), Resolução do Conselho Nacional do Esporte - Código de Justiça Desportiva (Resolução CNE nº 29/2009), Normas regulamentares nacional e internacional, princípios e regras gerais de hermenêutica, guardando verdadeira especificidade quanto a sua estrutura, instrumentalidade, formação e julgamentos.

Em especial, destaca-se de início a regra do artigo 5º, LV da CF aplicado de forma rigorosa pela Justiça Desportiva, assegurando aos litigantes a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.

LEI GERAL DO ESPORTE 14.597/23 – LEX SPORTIVA - ARTIGO 26 §1º - AUTONOMIA

A nova lei geral do esporte, trata expressamente sobre a harmonia do sistema transnacional denominado Lex Sportiva.

No seu § 1º do artigo 26 dispõe sobre a definição do Lex Sportiva, como sendo o sistema privado transnacional autônomo composto de organizações esportivas, suas normas e regras e dos órgãos de resolução de controvérsias, incluídos seus tribunais.

A Lex Sportiva é definida como um conjunto de normas e dispõe sobre a autonomia do direito desportivo.

Como conjunto de normas entende-se a aplicação da Constituição Federal, leis, resolução, códigos, regras e regulamentos que norteiam o esporte.

Note-se ainda que referido parágrafo 1º do artigo 26 dispõe que o Lex Sportiva é um sistema privado transnacional autônomo incluindo ao final os tribunais desportivos como parte desse sistema.

Em resumo, podemos concluir que a Lei Geral do Esporte, reconhece a Justiça Desportiva e sua autonomia no sistema desportivo.

LEI 9.615/98 – LEI PELÉ – ARTIGO 50

A Lei Pelé em seu artigo 50 dispõe sobre a organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, conforme definidos nos Códigos de Justiça Desportiva.

ARTIGO 1º DO CBJD

Por sua vez o artigo 1º do CBJD dispõe sobre a organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva brasileira e o processo desportivo, bem como a previsão das infrações disciplinares desportivas e de suas respectivas sanções, no que se referem ao desporto de prática formal.

CBJD – ARTIGO 24 – COMPETÊNCIA

O artigo 24 CBJD dispõe sobre a competência da Justiça Desportiva, nos seguintes termos: os órgãos da Justiça Desportiva, nos limites da jurisdição territorial de cada entidade de administração do desporto e da respectiva modalidade, têm competência para processar e julgar matérias referentes às competições desportivas disputadas e às infrações disciplinares cometidas pelas pessoas naturais ou jurídicas mencionadas no art. 1º, § 1º.

Pela leitura dos artigos supra mencionados, podemos concluir que a Justiça Desportiva tem competência para apreciar e julgar infrações disciplinares esportivas, porém essa competência não se limita apenas aos atletas ou ao que ocorre dentro do campo de jogo, ela é mais ampla, podendo analisar questões de regulamentos, resoluções, organizações desportivas (Confederação, Federações, Clubes e Ligas), árbitros, empregados, cargos ou funções, diretivos ou não, dirigentes, administradores, treinadores, médicos ou membros de comissão técnica, pessoas naturais e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas ao sistema nacional do desporto.

A Justiça Desportiva processa e julga as infrações disciplinares relativas à disciplina dos seus jurisdicionados, aplicando as seguintes penalidades:

I - advertência; II - eliminação; III - exclusão de campeonato ou torneio; IV - indenização; V - interdição de praça de desportos; VI - multa; VII - perda do mando do campo; VIII - perda de pontos; IX - perda de renda; X - suspensão por partida; XI - suspensão por prazo.

As penalidades disciplinares acima descritas não se aplicam aos menores de quatorze anos e aos atletas não profissionais.

Pela análise conjunta dos artigos 217, §§1º e 2º da CF, artigo 50 da Lei Pelé e artigos 1º e 24 do CBJD, podemos afirmar que nenhuma ação desportiva poderá ser proposta diretamente no Poder Judiciário, antes de esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva.

O STF – Supremo Tribunal Federal em Controle concentrado de constitucionalidade reconheceu a exceção do exaurimento da Justiça Desportiva antes de chegar-se ao Poder Judiciário.

No inciso XXXV do art. 5º, previu-se que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". (...) O próprio legislador constituinte de 1988 limitou a condição de ter-se o exaurimento da fase administrativa, para chegar-se à formalização de pleito no Judiciário. Fê-lo no tocante ao desporto, (...) no § 1º do art. 217 (...). Vale dizer que, sob o ângulo constitucional, o livre acesso ao Judiciário sofre uma mitigação e, aí, consubstanciando o preceito respectivo exceção, cabe tão só o empréstimo de interpretação estrita. Destarte, a necessidade de esgotamento da fase administrativa está jungida ao desporto e, mesmo assim, tratando-se de controvérsia a envolver disciplina e competições, sendo que a chamada Justiça desportiva há de atuar dentro do prazo máximo de sessenta dias, contados da formalização do processo, proferindo, então, decisão final – § 2º do art. 217 da CF.

[ADI 2.139 MC e ADI 2.160 MC, voto do red. do ac. min. Marco Aurélio, j. 13-5-2009, P, DJE de 23-10-2009.]

O STJ – Superior Tribunal de Justiça também reconhece a competência da Justiça Desportiva, inclusive em 27/11/2022 publicou matéria sobre o tema em sua página, conforme abaixo descrito;

“A Justiça e o esporte mais popular do mundo: o futebol na jurisprudência do STJ

Casos de indisciplina, violência e ofensas morais, em campo ou nas arquibancadas, frequentemente acabam se

transformando em processos judiciais – mas não necessariamente no Poder Judiciário, pois o esporte, no Brasil, tem sua Justiça própria.

As comissões disciplinares, os Tribunais de Justiça Desportiva e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) formam uma estrutura de direito privado – são órgãos arbitrais –, porém de interesse público, previstos na Constituição Federal. E é o texto constitucional que determina: o Poder Judiciário só deve atuar depois que estiverem esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva.

É bem verdade que alguns casos ocorridos no Desporto podem ser apreciados diretamente pelo Poder Judiciário, isso quando a conduta do ofensor não configurar transgressão de cunho estritamente esportivo, como exemplo: um atleta que agride o árbitro responderá na Justiça Desportiva por agressão física durante a partida à luz do disposto no artigo 254-A §3º e 4º do CBJD, porém se desse ato resultou responsabilidade civil, ele responderá pelas regras do Código Civil.

Em casos que a infração extrapola a esfera desportiva, a Justiça Comum, corretamente tem admitido ação independentemente de passar pelo crivo da Justiça Desportiva, até porque esta justiça especializada não tem competência para apreciar e julgar casos de competência cível ou de competência criminal. Porém a ação de indenização proposta diretamente na Justiça Comum não obsta a denúncia do infrator na Justiça Desportiva, que inclusive é um dever legal da Procuradoria.

O STJ já apreciou casos de responsabilidade civil relacionados ao esporte, conforme abaixo transcrito:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.762.786-SP (2018/0087018-1)² RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AGRESSÕES. FÍSICAS E VERBAL. MORAL. ÁRBITRO. PARTIDA DE FUTEBOL. RESPONSABILIDADE CIVIL. JOGADOR. ATO ILÍCITO. CONFIGURAÇÃO. CONDUTA. DESPROPORCIONALIDADE. DANO À HONRA E IMAGEM. CONFIGURAÇÃO. REPARAÇÃO DEVIDA. JUSTIÇA COMUM. CONDENAÇÃO. JUSTIÇA DESPORTIVA. IRRELEVÂNCIA.

  1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

  2. A controvérsia a ser dirimida no recurso especial reside em verificar se as agressões físicas e verbais perpetradas por jogador profissional contra árbitro de futebol, na ocasião de disputa da partida final de importante campeonato estadual de futebol, constituem ato ilícito indenizável na Justiça Comum, independentemente de eventual punição aplicada na esfera da Justiça Desportiva.

  3. Nos termos da Constituição Federal e da Lei nº 9.615/1998 (denominada "Lei Pelé"), a competência da Justiça Desportiva limita-se a transgressões de natureza eminentemente esportivas, relativas à disciplina e às competições desportivas.

  4. O alegado ilícito que o autor da demanda atribui ao réu, por não se fundar em transgressão de cunho estritamente esportivo, pode ser submetido ao crivo do Poder Judiciário Estatal, para que seja julgado à luz da legislação que norteia as relações de natureza privada, no caso, o Código Civil.

  5. A conduta do jogador, mormente a sorrateira agressão física pelas costas, revelou-se despropositada e desproporcional, transbordando em muito o mínimo socialmente aceitável em partidas de futebol, apta a ofender a honra e a imagem do árbitro, que estava zelando pela correta aplicação das regras esportivas.

  6. O evento no qual as agressões foram perpetradas, final do Campeonato Paulista de Futebol, envolvendo dois dos maiores clubes do Brasil, foi televisionado para todo o país, o que evidencia sua enorme audiência e, em consequência, o número de pessoas que assistiram o episódio.

  7. Recurso especial conhecido e provido.

Como vimos na decisão acima, mesmo diante da existência de uma ação proposta na Justiça Comum, por um árbitro de futebol contra um atleta, tal ato, não isenta o ofensor pela infração disciplinar cometida, devendo responder á na Justiça Desportiva, podendo ser condenado com uma pena mínima de suspensão por 180 dias.

Outra questão que é de competência da Justiça Desportiva e da Justiça Comum, evidentemente respeitando-se a competência de cada tribunal, é a questão da segurança no estádio, pois havendo falha na segurança o clube mandante responsável pelo evento ou o clube visitante serão denunciados na Justiça Desportiva por deixar de tomar providencias capazes de prevenir e reprimir a desordem na sua praça de desporto, respondendo por infração ao artigo 213 do CBJD, podendo ser punido com multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais), e caso a desordem seja de elevada gravidade o clube ainda poderá ser punido com a perda de mando de até 10 (dez) partidas. Na mesma pena responderá o clube visitante caso tenha contribuído para o fato.

Porém caso os autores da desordem sejam identificados, apresentados à autoridade policial e lavrado boletim de ocorrência contemporâneo ao evento, o clube ficará isento da responsabilidade.

Na esfera cível, o mesmo fato (falta de segurança) será analisado na responsabilidade civil, mediante condenação em indenização por danos materiais e morais, conforme julgado do STJ, que abaixo se transcreve.

RECURSO ESPECIAL Nº 1924527 -PR (2020/0243009-2) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

EMENTA

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ESTATUTO DE DEFESA DO TORCEDOR. PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DA AGREMIAÇÃO MANDANTE DE ASSEGURAR A SEGURANÇA DO TORCEDOR ANTES, DURANTE E APÓS A PARTIDA. DESCUMPRIMENTO. REDUZIDO NÚMERO DE SEGURANÇAS NO LOCAL. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. INEXISTÊNCIA.

DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. JULGAMENTO: CPC/2015.

  1. Ação de compensação de danos materiais e morais proposta em 07/04/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 18/11/2019 e atribuído ao gabinete em 02/02/2021.

  2. O propósito recursal é decidir acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional e se, na hipótese dos autos, o clube de futebol recorrente é responsável pelos danos experimentados por torcedores em decorrência de atos violentos perpetrados por membros da torcida rival.

  3. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. Precedentes.

  4. O Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT) foi editado com o objetivo de frear a violência nas praças esportivas, de modo a assegurar a segurança dos torcedores. O direito à segurança nos locais dos eventos esportivos antes, durante e após a realização da partida está consagrado no art. 13 do EDT. A responsabilidade pela prevenção da violência nos esportes é das entidades esportivas e do Poder Público, os quais devem atuar de forma integrada para viabilizar a segurança do torcedor nas competições.

  5. Em caso de falha de segurança nos estádios, as entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes responderão solidariamente, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados ao torcedor (art. 19 do EDT). O art. 14 do EDT é enfático ao atribuir à entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e a seus dirigentes a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo. Assim, para despontar a responsabilidade da agremiação, é suficiente a comprovação do dano, da falha de segurança e do nexo de causalidade.

  6. Segundo dessume-se do conteúdo do EDT, o local do evento esportivo não se restringe ao estádio ou ginásio, mas abrange também o seu entorno. Por essa razão, o clube mandante deve promover a segurança dos torcedores na chegada do evento, organizando a logística no entorno do estádio, de modo a proporcionar a entrada e a saída de torcedores com celeridade e segurança.

  7. Na hipótese dos autos, o episódio violento ocorreu no entorno do estádio, na área reservada especialmente aos torcedores do Goiás Esporte Clube. Tanto é assim que o segundo recorrido e seus amigos conseguiram correr para dentro do estádio para se proteger, local que também acabou sendo invadido pelos torcedores adversários. Sendo a área destinada aos torcedores do Goiás, o recorrente deveria ter providenciado a segurança necessária para conter conflitos entre opositores, propiciando a chega segura dos torcedores daquela agremiação no local da partida. Mas não foi o que ocorreu, porquanto o reduzido número de seguranças no local não foi capaz de impedir a destruição do veículo de propriedade do primeiro recorrido.

  8. Para que haja o rompimento do nexo causal, o fato de terceiro, além de ser a única causa do evento danoso, não deve apresentar qualquer relação com a organização do negócio e os riscos da atividade. Na espécie, não está configurada tal excludente de responsabilidade, porquanto a entidade mandante tem o dever legal de assegurar a segurança do torcedor no interior e no entorno do estádio antes, durante e após a partida e essa obrigação foi descumprida pelo recorrente, à medida em que não disponibilizou seguranças em número suficiente para permitir a chegada ao estádio, em segurança, dos torcedores do time do Goiás Esporte Clube, o que permitiu que eles fossem encurralados por torcedores da agremiação adversária, os quais, munidos de foguetes e bombas, depredaram o veículo em que estavam o segundo recorrido e seus amigos. Ademais, os atos de violência entre torcedores adversários são, lamentavelmente, eventos frequentes, estando relacionados com a atividade desempenhada pela agremiação.

  9. Entre os acórdãos trazidos à colação, não há similitude fática, elemento indispensável à demonstração da divergência.

  10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 15 de junho de 2021. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora.

CBJD – §2º, ARTIGO 48 – SUSPENSÃO, DESFILIAÇÃO OU DESVINCULAÇÃO COMPETÊNCIA

O “caput” do artigo 48 do CBJD autoriza as organizações desportivas (Confederação, Federação e Clubes) aplicarem sanções com o objetivo de manter a ordem desportiva, como: advertência, censura escrita, multa, suspensão, desfiliação ou desvinculação, sanções essas que não prescindem do processo administrativo, contraditório e ampla defesa.

Porém, as sanções de suspensão, desfiliação ou desvinculação somente poderão ser aplicadas pela organização desportiva após decisão definitiva da Justiça Desportiva.

Note-se que nos casos específicos de suspensão, desfiliação ou desvinculação, as penalidades somente poderão ser aplicadas após o devido processo legal, ampla defesa e contraditório na Justiça Desportiva.

Portanto, a competência exclusiva para questões de suspensão, desfiliação ou desvinculação é da Justiça Desportiva.

CITAÇÕES:

1 Advogado. Procurador-geral do STJD do Futebol na gestão 2020/2024 e Presidente do STJD entre os anos de 2016 e 2018.

2 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/27112022-A-Justica- e-o-esporte-mais-popular-do-mundo-o-futebol-na-jurisprudencia-do-STJ.aspx

 A JUSTIÇA DESPORTIVA CONSTITUCIONAL NO BRASIL

A JUSTIÇA DESPORTIVA CONSTITUCIONAL NO BRASIL

12 de agosto às 16:03

Por Paulo Sérgio Feuz¹

RESUMO

Este artigo analisa a natureza constitucional da Justiça Desportiva no Brasil, destacando sua posição como única exceção ao direito de ação previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988. Além disso, examina a inconstitucionalidade do parágrafo primeiro do artigo 189 (vetado) da Lei 14.397/2023, que transferia para as entidades de organização do esporte a regulamentação da Justiça Desportiva, contrariando o disposto no artigo 217, §1º da Carta Magna. O estudo baseia-se em doutrina especializada, legislação vigente e jurisprudência, reforçando a necessidade de manutenção da regulamentação estatal para garantir isonomia e respeito aos princípios constitucionais.

ABSTRACT

This article examines the constitutional nature of Sports Justice in Brazil, highlighting its position as the sole exception to the right of legal action provided for in Article 5, XXXV of the 1988 Federal Constitution. Additionally, it analyzes the unconstitutionality of the first paragraph of (vetoed) Article 189 of Law 14,397/2023, which sought to transfer the regulation of Sports Justice to sports organizing entities, contrary to the provisions of Article 217, §1º of the Constitution. The study is based on specialized legal literature, current legislation, and jurisprudence, reinforcing the need for state regulation to ensure equality and respect for constitutional principles.

1. INTRODUÇÃO

A Justiça Desportiva no Brasil é um microssistema judicante de natureza constitucional, previsto no artigo 217, §1º e §2º da Constituição Federal de 1988(2). Sua existência representa uma exceção ao direito de ação (artigo 5º, XXXV), exigindo o esgotamento das instâncias desportivas antes de qualquer intervenção do Poder Judiciário.

Este artigo aborda a estrutura, os princípios e a autonomia da Justiça Desportiva, bem como os riscos decorrentes da análise do Veto Presidencial pelo Congresso Nacional do parágrafo primeiro do artigo 189 da Lei Geral do Esporte que se validado permitirá regulamentação da Justiça Desportiva pelas entidades de Organização do Esporte, dando a estas superpoderes, o que não combina com o Estado Democrático de Direito previsto em no texto Constitucional Brasileiro.

2. A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA JUSTIÇA DESPORTIVA

A Constituição Federal de 1988, reconhecida como marco fundamental do Estado Democrático de Direito, assegura o direito de acesso aos órgãos estatais (Direito de Petição) e ao Poder Judiciário (Direito de Ação), com uma única exceção expressa: a Justiça Desportiva Constitucional.

O Poder Judiciário, disciplinado nos arts. 92 a 126 da Carta Magna, consolida-se como o terceiro poder da República, atuando como “mediador de conflitos de interesses”, conforme destacou José Afonso da Silva(3) . Sua atuação é desencadeada pelo exercício do Direito de Ação, que pressupõe legitimidade, interesse processual e a provocação do Estado-Juiz para a solução de litígios.

A estrutura judiciária brasileira é complexa, organizando-se em órgãos federais e estaduais, com competências específicas, como as Justiças Eleitoral, Militar e Trabalhista.

Além disso, a Constituição prevê mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como o Direito de Petição (art. 5º, XXXIV) e a Justiça Desportiva (art. 217, §§ 1º e 2º), esta última com caráter especializado e constitucionalmente reconhecido.

A Justiça Desportiva é um sistema autônomo e especializado, criado para julgar questões relacionadas à disciplina e às competições esportivas. Diferentemente do processo administrativo (Lei 9.784/99), que trata de atos da Administração Pública, a Justiça Desportiva atua no âmbito privado, regulando entidades desportivas sem fins lucrativos.

Como ressaltou o Ministro Carlos Ayres Britto (STF) (4) , a Justiça Desportiva possui status constitucional, sendo a única exceção ao livre acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV, CF/88). Isso significa que, antes de recorrer à Justiça comum, as partes devem esgotar as instâncias desportivas, sob pena de inadmissibilidade da ação judicial.
A Justiça Desportiva é um órgão judicante autônomo e independente, conforme estabelecido pela Lei Pelé (Lei nº 9.615/98) e pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

Sua competência abrange infrações disciplinares e questões relacionadas a competições esportivas, sempre pautada pelos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório (artigo 2º do CBJD).

Como destacado por Álvaro Melo Filho (5) , a Justiça Desportiva exerce um "poder de sanção" essencial para a manutenção da ordem no esporte, sendo sua regulamentação matéria constitucional exclusiva do legislador ordinário.

A decisão do STF no MS 25.938 DF reforça que a Justiça Desportiva não se confunde com processos administrativos comuns, pois sua atuação é especializada e sujeita a prazos específicos.

3. A INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO PRIMEIRO DO ARTIGO 189 DA LEI GERAL DO ESPORTE - vetado pelo Presidente da República.

A Lei 14.597/23 (Lei Geral do Esporte) propôs, em seu artigo 189, §1º, que as entidades de organização do esporte regulamentem a Justiça Desportiva, trazendo superpoderes.

Tal disposição viola o artigo 217, §1º da CF/88, que determina expressamente que a Justiça Desportiva deve ser "regulada em lei". A transferência dessa competência para entidades privadas gera os seguintes problemas: a) Autotutela indevida: As entidades jurisdicionadas passariam a criar suas próprias regras de julgamento, ferindo a imparcialidade e a isonomia; b) fragilização dos princípios constitucionais: A ampla defesa e o contraditório poderiam ser mitigados por normas internas, sem controle estatal; c) desrespeito à hierarquia das normas: A Constituição exige lei formal para regulamentação da Justiça Desportiva, não admitindo delegação a atos privados.

Como alerta Paulo Sérgio Feuz (6) , a proposta cria um "superpoder" para as entidades esportivas, ameaçando direitos fundamentais de atletas, clubes e torcedores.

A lei no. 14.597/2023, que teve como escopo trazer uma nova regulamentação do esporte, sobre a premissa de avanços para a sociedade, e tentar um equilíbrio entre diversos interesses que atuam no esporte, foi contemplada com um importante veto Presidencial na proposta apresentada no Projeto de Lei que alterava circunstancialmente a Justiça Desportiva no Brasil, o que conduziria a Lei a inconstitucionalidade.

Nesse sentido a Lei Geral do Esporte tinha trazido uma nova roupagem parta a atual Justiça Desportiva o que ao nosso sentir em face a nossa experiência prática e acadêmica, na tentativa de modernizar ou melhorar o sistema, apresentou mudanças que além de ser prejudicial aos hipossuficientes, pois, desequilibrava a relação Jurisdesportiva trazendo superpoder as entidades de Organização do Esporte sob o manto da autonomia desportiva.

A Autonomia Desportiva prevista na Constituição Federal deve ser analisada sistematicamente, pois, no mesmo artigo 217, prevê o dever de fomento do Estado. A proposta retirava do Estado totalmente da regulamentação da Justiça Desportiva o que tornam as entidades de Organização do Esporte Nacionais, detentoras dos Poderes de Gestão, Controle e de legislar sobre o controle total da competição, podendo alterar as regras como bem entender, o que não confere com a vontade Constitucional e com o equilíbrio proposto no artigo 217 entre o Fomento do Esporte e a Autonomia Desportiva.

A atual regulamentação pela Lei Pelé e pelo CBJD garante equilíbrio entre autonomia desportiva e controle público.

A forma prevista na Lei no. 9.615/98, não é perfeita, porém equilibrada e traz a ideia de Montesquieu do fracionamento de Poderes, sendo este um dos pilares do Estado Democrático de Direito, logo acreditamos que os artigos vetados (artigos: 189 a 191) eram inconstitucionais.

O Estado, ao fomentar o esporte (artigo 217, I da CF), deve assegurar que os julgamentos desportivos sejam isentos e alinhados aos princípios democráticos.

A Justiça Desportiva, muito embora privada, mas com interesse público, não pode ser submetida a regras mutáveis por entidades privadas, sob pena de violar a segurança jurídica e a dignidade da pessoa humana.

4. CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 217 que regulamenta o Desporto no Brasil, traz em seus parágrafos 1º e 2º. a previsão da Justiça Desportiva, como única exceção ao Direito de Ação, previsto no artigo 5, XXXV do mesmo diploma Constitucional.

O Direito de Ação constitui na garantia ao cidadão Brasileiro de submeter ao Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça ao Direito.

Quando a Constituição traz a exceção da Justiça Desportiva ela restringi a apuração de casos relacionado diretamente a competição e disciplina dos envolvidos no esporte ao Poder Judiciário, devendo esta Justiça especializada se pautar nos princípios Constitucionais da Ampla defesa e do Contraditório.

Alguns juristas equiparam a Justiça Desportiva aos Julgamentos Administrativos realizados pelo Estado, quando do exercício do cidadão no direito de petição ao Estado, ou seja, o Direito de requerer a manifestação estatal, nas decisões e julgamentos.

Ao nosso ver esta equiparação não é correta, pois, na hipótese dos casos administrativos estatais o Poder Judiciário pode se manifestar como Poder controlador a qualquer tempo e enquanto na Justiça Desportiva, o Poder Judiciário só pode se manifestar quando transitar em julgado a decisão desportiva, ou seja, somente quando esgotados os meios de manifestação da justiça desportiva, respeitando –se as regras internacionais e nacionais do esporte.

Logo, podemos concluir é que a Justiça Desportiva é uma exceção Constitucional do Direito de Ação e sua previsão e regulamentação deve obrigatoriamente ser realizada por lei e não pela entidade de organização do esporte.

Atualmente a Justiça Desportiva é regulamentada pela Lei Pelé (Lei no. 9615/98), que até 2016, trazia um caráter estritamente privado de sua formação, porém com o advento da Lei no. 13.322 de 2016, a Justiça Desportiva foi dividida sua competência, em casos de Controle Antidopagem (natureza pública) e casos de Competição e Disciplina (natureza privada).

Pois bem, os artigos vetados, diferentemente do que traz o Texto Constitucional autorizava e determinava que as Entidades de Organização do Esporte é que deveriam regulamentar e criar regras para a Justiça Desportiva de sua modalidade, o que torna a disposição inconstitucional, uma vez que o Parágrafo Primeiro do artigo 217 da CF determina expressamente que a JUSTIÇA DESPORTIVA SERÁ REGULAMENTADA POR LEI EXCLUSIVAMENTE.

É claro que a Lei não pode autorizar que terceiros que mesmo que interessados regulamente assunto dessa magnitude, pois, da forma que está expresso autoriza a própria entidade de organização do esporte que é jurisdicionada a realizar a autotutela sem que qualquer interessado possa se socorrer do Poder Judiciário, como ocorre com os demais casos trazendo um superpoder para estas entidades em detrimento de atletas, clubes, torcedores e sociedade em geral.

A Justiça Desportiva exerce um papel fundamental no controle do esporte e substitui no único caso de exceção constitucional ao denominado Direito de Ação e não podendo obviamente este Poder Constitucional ser transferido para a própria entidade jurisdicionada.

Não se pode dizer que a regulamentação da Justiça Desportiva pelo Estado como é feito atualmente pela Lei no. 9615/98, agride a autonomia desportiva, uma vez que é dever do Estado fomentar o Esporte Nacional.

O Fomento é muito mais do que financiar é propiciar que o esporte aconteça e garantir nas competições que os julgamentos jurisdesportivos ocorram de maneira isenta, por este motivo que a Carta Magna determinou que a regulamentação fosse feita pelo Estado através de Lei e não pelas entidades através de seus atos regulamentares, pois, estes estão sujeitos a revisão judicante dessa Justiça Desportiva.

A Justiça Desportiva julga casos importantes para nossa Sociedade como ofensas preconceituosas, delitos de violência, manipulação de resultado, que podem atingir a integridade das competições, direitos de torcedores, direitos de atletas e principalmente a dignidade da pessoa humana.

Logo, o veto Presidencial foi necessário e deve prosperar para não criarmos um tribunal de penas com superpoder para entidades de Organização do Esporte que poderiam a seu modo alterarem quantas vezes quisessem as regras de julgamentos desportivos o que geraria desigualdades e ainda ofenderia os princípios basilares do Estado Democrático de Direito!!

CITAÇÕES:

1 Paulo Sergio Feuz, advogado, Doutor em Direito pela PUC/SP, Pro-Reitor de Educação Continuada da PUC/SP, Coordenador do Núcleo de Direito Desportivo da PUC/SP, Vice Presidente da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD), Presidente da Comissão de Direito Desportivo do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Auditor do Pleno do STJD do Futebol no período de 2020 a 2024 e Diretor da ENAJD no período de 2020 a 2024.

2 Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; 2. Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional; IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. § 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

3 Silva, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 21. Ed Malheiros, 2002

4 STF no MS 25.938 DF

5 Melo Filho, Alvaro. Direito Desportivo: Novos Rumos. Belo Horizonte; Del Rey.2004

6 Feuz, Paulo Sergio. O Impacto imediato da Lei Geral do Esporte. Boletim Revista dos Tribunais Online, v. 32, ago/2023

Do STJD à FIFA:  Internacionalização da pena no Direito Desportivo

Do STJD à FIFA: Internacionalização da pena no Direito Desportivo

23 de julho às 15:01

Por Luís Otávio Veríssimo Teixeira, Presidente do STJD do Futebol.

RESUMO:

A crescente globalização do futebol profissional vem acompanhada de desafios aos modelos tradicionais de jurisdição no âmbito do direito desportivo. A circulação internacional de atletas e dirigentes, a integração da lex sportiva promovida por entidades como a FIFA e a CBF, bem como a consolidação dos mecanismos de cooperação entre entidades nacionais do desporto fomentaram relevante discussão sobre os limites e a efetividade das sanções aplicadas pelos tribunais desportivos nacionais.

Nesse cenário, emerge a questão da internacionalização da pena desportiva, isto é, a possibilidade de que sanções disciplinares impostas por órgãos como o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) superem as fronteiras nacionais.

O presente artigo busca investigar os pressupostos jurídicos, normativos e práticos que envolvem a circulação internacional das penas no futebol, com especial atenção ao papel desempenhado pelo STJD nesse mecanismo, mediante breve análise do sistema sancionatório previsto no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), das competências e limites da jurisdição desportiva nacional e dos mecanismos de articulação com normas internacionais, especialmente as oriundas da FIFA.

Palavras-chave: Justiça Desportiva; STJD; Internacionalização da Pena; FIFA; Direito Desportivo Internacional.

ABSTRACT

The growing globalization of professional football has brought significant challenges to traditional jurisdictional models within sports law. The international mobility of athletes, club officials, and other sports agents, the integration of the lex sportiva promoted by entities such as FIFA and CBF, and the consolidation of cooperation mechanisms among national sports organizations have sparked debate on the limits and effectiveness of sanctions imposed by national sports tribunals. Within this context, the issue of the internationalization of sports sanctions arises — namely, the possibility for disciplinary penalties imposed by bodies such as the Brazilian Superior Sports Court of Football (STJD) to extend beyond national borders.

This article examines the legal, regulatory, and practical foundations that support the international circulation of disciplinary sanctions in football, with special focus on the role played by the STJD in this process. It presents an analysis of the sanctioning system provided for in the Brazilian Code of Sports Justice (CBJD), the scope and limits of national jurisdiction, and the articulation with international norms, especially those established by FIFA.

Keywords: Sports Justice; STJD; Internationalization of Sanctions; FIFA; International Sports Law.

1. O SISTEMA SANCIONATÓRIO NO DIREITO DESPORTIVO BRASILEIRO E O INSTITUTO DA INTERNACIONALIZAÇÃO DA PENA:

O Direito Desportivo brasileiro estrutura seu regime punitivo a partir do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), norma de caráter infralegal que disciplina as infrações e sanções no contexto das competições organizadas por entidades filiadas ao sistema nacional do desporto. Sob a luz do art. 217 da Constituição Federal (CF) , o CBJD integra um subsistema jurídico especializado, que goza de autonomia funcional e decisória, e que possui estrutura própria, ritos específicos e finalidades adequadas às particularidades do ambiente esportivo.

O CBJD prevê sanções que vão desde advertências, multas e suspensões, até perda de pontos, exclusão de campeonatos e banimentos, aplicáveis a atletas, clubes, dirigentes, árbitros e demais agentes desportivos jurisdicionados. A competência para aplicação dessas penalidades é atribuída, em âmbito nacional, ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD) - instância máxima para o futebol brasileiro.

Entretanto, apesar da legitimidade e do alcance interno das sanções eventualmente aplicadas, as decisões do STJD não irradiam necessariamente efeitos automáticos além da jurisdição doméstica. Esse limite prático da jurisdição traz à tona problema central vinculado às penas desportivas: como assegurar a efetividade e a continuidade da punição quando o agente sancionado se transfere para um clube estrangeiro ou passa a atuar em outra jurisdição?

Trata-se de questão não meramente hipotética, mas amplamente presente na prática esportiva forense, vez que recorrentes os episódios de tentativa de esvaziamento da sanção disciplinar nacional por meio de transferências internacionais estratégicas, com clubes estrangeiros contratando atletas punidos no Brasil durante o período de cumprimento da pena.

A legislação nacional ainda não oferece resposta expressa a essa problemática. Ao contrário, o art. 171, §4º do CBJD prevê apenas que a pena imposta no Brasil poderá ser suspensa caso o apenado passe a atuar no exterior, devendo retomar o cômputo a partir do retorno ao cenário desportivo interno, salvo ocorrência de prescrição da pena.

O que se verifica, na prática, é uma lacuna normativa que reflete a visão da legislação desportiva nacional que ainda é muito centrada na lógica da territorialidade, corrente que contrasta com a dinâmica transnacional do futebol contemporâneo.

É nesse ponto que se tornam essenciais os pressupostos jurídicos e normativos da circulação internacional das penas, os quais a despeito de não se encontrarem definidos no CBJD, têm guarida em instrumentos normativos internacionais como o Código Disciplinar da FIFA e o Regulations on the Status and Transfer of Players (RSTP). Ambos os regulamentos estabelecem os critérios, procedimentos e requisitos para que sanções impostas pela justiça desportiva nacional possam ser estendidas e reconhecidas por outras jurisdições, de modo a garantir, por exemplo, a eficácia global das medidas disciplinares aplicadas aos jurisdicionados do STJD.

O pressuposto jurídico da internacionalização da pena é, portanto, a existência de uma decisão válida e fundamentada no âmbito nacional, que necessita produzir efeitos a nível global, sob pena de esvaziamento da sanção. O pressuposto normativo reside na existência dos sobreditos regulamentos internacionais, os quais se aplicam ao contexto brasileiro por força hierárquica. E, por fim, o pressuposto prático passa pela formulação de mecanismos de cooperação eficazes entre o STJD, a CBF e os órgãos internacionais (FIFA e, eventualmente, o Tribunal Arbitral do Esporte – TAS/CAS), capazes de concretizar a referida circulação.

2. ALCANCE E LIMITES DA JURISDIÇÃO DO STJD DO FUTEBOL:

O STJD integra o sistema nacional da Justiça Desportiva brasileira como órgão de cúpula, com competência para julgar, em grau recursal, as decisões das Comissões Disciplinares e dos Tribunais de Justiça Desportiva estaduais, além de atuar originariamente em casos previstos na legislação.

Nos termos do art. 1º do seu Regimento Interno e do art. 1º do CBJD, a jurisdição do STJD se limita ao território nacional e às entidades que compõem o sistema federativo do futebol brasileiro. Essa delimitação reflete o princípio da especialização funcional da Justiça Desportiva, concebida constitucionalmente como uma instância prévia e autônoma, voltada à pacificação dos litígios decorrentes da prática esportiva, com ênfase na celeridade e na tecnicidade dos julgamentos.

A jurisdição do STJD, portanto, é exercida no âmbito das relações desportivas regidas pelo ordenamento jurídico nacional, sendo sua eficácia territorialmente circunscrita às entidades vinculadas à CBF. Logo, em regra, suas decisões não produzem efeitos automáticos fora do Brasil nem vinculam as entidades desportivas estrangeiras ou demais associações membro vinculadas à FIFA.

Contudo, ainda que a jurisdição material do Tribunal não ultrapasse as fronteiras nacionais, essa limitação formal da jurisdição não impede que o STJD exerça papel ativo na articulação de medidas com alcance internacional, vez que suas decisões podem desencadear efeitos globais quando submetidas aos mecanismos previstos nos regulamentos internacionais, como ocorre nos casos de extensão de sanções pelo Comitê Disciplinar da FIFA.

Nesse sentido, é preciso distinguir a jurisdição propriamente dita, enquanto poder de decidir dentro de um determinado sistema jurídico, da capacidade e do dever de influenciar efeitos transnacionais por meio de instrumentos de cooperação institucional. A atuação do STJD se esgota nos limites da jurisdição nacional, mas o dever de proteção da integridade esportiva pode irradiar efeitos para além dela, desde que em conformidade com os mecanismos regulatórios previstos pela lex sportiva.

3. A PENA DESPORTIVA EM PERSPECTIVA INTERNACIONAL:

Em um ambiente marcado pela circulação constante de atletas, técnicos e dirigentes entre clubes de diferentes países, a eficácia das penas disciplinares no futebol não pode mais ser analisada exclusivamente sob a ótica da jurisdição nacional.

O respeito à integridade desportiva depende, cada vez mais, de mecanismos normativos capazes de assegurar que sanções impostas pela Justiça Desportiva nacional tenham continuidade e reconhecimento em outras jurisdições, sob pena de tornarem as penalidades inócuas.

A lógica é simples, a transferência internacional não pode servir de subterfúgio para neutralizar a punição decorrente de condutas que atentam contra as regras e noções de ética que regem o futebol.

É nesse contexto que se insere o mecanismo previsto pelo art. 70 do Código Disciplinar da FIFA, que prevê procedimento específico para que sanções disciplinares impostas no âmbito nacional possam ser estendidas para que produzam efeitos transnacionais.

O referido dispositivo impõe um conjunto de condições objetivas e formais para verificação da legitimidade da ampliação da sanção submetida à apreciação. Alguns desses requisitos incluem a gravidade da infração, a citação e comunicação válida da parte sancionada e, sobretudo, a existência de manifestação expressa que solicita a extensão global da pena.

Não se trata de reavaliar o mérito da decisão. O Comitê Disciplinar da FIFA, órgão ao qual é submetido esse tipo de requerimento, não revisa os fatos ou fundamentos da punição. Sua competência limita-se a confirmar se a sanção pode circular globalmente de modo legítimo, sem qualquer ofensa à ordem pública ou aos padrões éticos adotados pela entidade.

Portanto, cabe à (con)federação nacional interessada apresentar o requerimento à FIFA, instruindo-o com toda a documentação comprobatória da legalidade, validade e regularidade do procedimento sancionador. Disso decorre a importância do papel do STJD na rigorosa observância aos ritos processuais e às garantias do devido processo legal, tanto em suas próprias decisões quanto naquelas oriundas dos Tribunais de Justiça Desportiva estaduais que alcancem à instância superior, de modo a garantir a solidez procedimental construída na instância nacional.

A extensão, uma vez deferida, produz efeitos automáticos em todas as entidades filiadas à FIFA, com o mesmo peso de uma sanção imposta por qualquer uma delas. Assim, a pena deixa de estar restrita ao território da federação de origem e passa a ser reconhecida globalmente, garantindo a efetividade da punição e impedindo a evasão por meio de novas inscrições internacionais.

Outro dispositivo fundamental nesse regime de circulação internacional da pena é o art. 12.2 do RSTP, segundo o qual as sanções disciplinares de suspensão, uma vez deferida a extensão pela FIFA e superiores a quatro partidas ou três meses, devem ser respeitadas por toda e qualquer nova associação a que venha a se vincular o apenado.

Assim, um jurisdicionado suspenso em sua associação de origem permanece inelegível para atuar até o cumprimento definitivo da pena, ainda que se transfira a outra federação nacional. Esse artigo funciona como complemento operacional ao art. 70 do Código Disciplinar e confere efetividade ao sistema.

O caso envolvendo o jogador Alef Manga ilustra perfeitamente a aplicação prática e eficaz desses dispositivos. Em 2023, no bojo da Operação Penalidade Máxima, deflagrada pelo Ministério Público de Goiás para apurar esquema de manipulação de resultados em troca de vantagens financeiras, o atleta confessou participação em um dos episódios investigados. Julgado pelo STJD, foi suspenso por 360 dias e multado em R$ 50 mil (cinquenta mil reais), em decisão ratificada pelo Pleno. À época da sanção, o atleta atuava pelo clube Pafos, do Chipre, emprestado pelo Coritiba logo após ter notícia da formalização da sua denúncia no âmbito desportivo.

Inicialmente, a sanção tinha efeitos apenas em território nacional, o que permitiu ao jogador seguir atuando no futebol cipriota mesmo após a decisão do STJD. No entanto, após requerimento da CBF com fundamento no art. 70 do Código Disciplinar, a FIFA ampliou a suspensão para todas as federações filiadas, impedindo o jogador de continuar atuando no exterior. O Comitê Disciplinar da FIFA notificou o atleta, tornando a sanção válida mundialmente a partir de 31 de julho de 2023, o que levou o clube estrangeiro a acionar cláusula contratual que previa a rescisão automática em caso de punição disciplinar.

Casos semelhantes, como os de Eduardo Bauermann, Gabriel Tota, Paulo Miranda e outros atletas envolvidos no esquema de apostas, seguiram a mesma lógica: após julgamento e condenação pelo STJD, os efeitos das penalidades foram estendidos a nível global, em iniciativa que consolidou um case de sucesso no combate à manipulação de resultados em escala transnacional.

A jurisprudência formada demonstra que, embora o CBJD não contenha previsão expressa sobre a eficácia internacional das penas, o sistema normativo internacional permite a harmonização das sanções e impede que atletas punidos se refugiem em outras jurisdições para driblar as consequências de seus atos.

Esse regime de cooperação demonstra maturidade institucional do STJD e reforça o papel do Tribunal como agente de proteção da integridade esportiva também no plano internacional, ainda que sua jurisdição seja formalmente limitada ao território nacional.

4. CONCLUSÃO:

A internacionalização da pena no âmbito do direito desportivo configura um dos grandes desafios da governança esportiva no futebol contemporâneo. A crescente mobilidade transnacional de atletas, dirigentes e demais agentes desportivos gerou um cenário no qual sanções aplicadas por Tribunais de Justiça Desportiva nacionais correm o risco de se tornarem ineficazes, caso não haja mecanismos de reconhecimento e continuidade em outras jurisdições.

Diante desse contexto, torna-se indispensável que a Justiça Desportiva nacional esteja apta a articular-se com normas e instituições situadas para além de suas fronteiras formais de competência, a fim de garantir o cumprimento de suas decisões e a proteção da integridade das competições. O dever de zelar pelo respeito às penas impostas não se limita ao plano doméstico, mas alcança a esfera internacional por meio da colaboração com os organismos que compõem o sistema global da lex sportiva.

Nesse cenário, o STJD do Futebol, embora possua jurisdição formalmente restrita ao território nacional, tem desempenhado papel central na consolidação de um sistema desportivo cooperativo e alinhado aos parâmetros internacionais. A utilização dos instrumentos previstos no art. 70 do Código Disciplinar da FIFA e no art. 12.2 do RSTP tem permitido que decisões da Justiça Desportiva brasileira sejam reconhecidas e executadas em âmbito mundial, impedindo que condutas graves fiquem impunes em razão da fragmentação jurisdicional.

Conclui-se, portanto, que a ausência de previsão expressa no CBJD quanto à eficácia internacional das sanções não representa obstáculo para a atuação global da Justiça Desportiva brasileira. Desde que seus órgãos atuem com responsabilidade institucional, rigor técnico e respeito às garantias processuais.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

BRASIL. Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD. Resolução CNE nº 29, de 10 de dezembro de 2009. Disponível em: https://www.stjd.org.br/. Acesso em: 15 de julho de 2025.

BRASIL. Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD). Aprovado em Sessão Plenária de 04 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://www.stjd.org.br/. Acesso em: 15 de julho de 2025.

FIFA. FIFA Disciplinary Code. 2025 edition. Zurich: Fédération Internationale de Football Association, 2025. Disponível em: https://inside.fifa.com/legal/documents. Acesso em 15 de julho de 2025.

FIFA. Regulations on the Status and Transfer of Players – RSTP. 2023 edition. Zurich: Fédération Internationale de Football Association, 2023. Disponível em: https://inside.fifa.com/legal/documents. Acesso em: 15 de julho de 2025.

GLOBO ESPORTE. Manipulação: FIFA torna mundial a suspensão de Alef Manga, ex-Coritiba. 31 out. 2023. Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2023/10/31/manipulacao-fifa-torna-mundial-a-suspensao-de-alef-manga-ex-coritiba.ghtml. Acesso em: 15 de julho de 2025.

A JUSTIÇA NO ESPORTE E A RELEVÂNCIA INSTITUCIONAL DO STJD

A JUSTIÇA NO ESPORTE E A RELEVÂNCIA INSTITUCIONAL DO STJD

17 de junho às 17:15

Por Luís Otávio Veríssimo Teixeira, Presidente do STJD do Futebol, e Gustavo Favero Vaughn, Auditor da 4ª CD do STJD do Futebol

1. RESUMO

A Justiça Desportiva constitui um subsistema jurídico específico, concebido para regular e pacificar os conflitos oriundos da prática esportiva. Sua criação reflete a necessidade de um mecanismo institucionalizado que atenda às particularidades do ambiente desportivo, no qual a celeridade, a tecnicidade e a estabilidade normativa são condições essenciais para o bom funcionamento das competições.

No Brasil, país em que o futebol ocupa posição central no imaginário coletivo e na estrutura social, a Justiça Desportiva desempenha função de grande relevância, especialmente por meio da atuação do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD). Esse relevante tribunal destaca-se não apenas por julgar infrações disciplinares e regulamentares no futebol nacional, mas também por exercer papel regulador e pedagógico, influenciando diretamente as condutas de atletas, dirigentes, clubes, federações e todos aqueles que de algum modo se envolvem com o futebol brasileiro.

Neste breve artigo, apresentar-se-á uma análise da importância da Justiça Desportiva no cenário jurídico brasileiro, com ênfase no papel desempenhado pelo STJD. A partir de sua origem, fundamentos legais, estrutura institucional e jurisprudência, procura-se demonstrar como esse ramo do Direito contribui para a promoção da ética, da integridade e da segurança jurídica nas competições esportivas relativas ao futebol.

Palavras-chave: Justiça Desportiva; STJD; Futebol Brasileiro.

ABSTRACT

Sports Justice constitutes a specific legal subsystem designed to regulate and resolve conflicts arising from sports practice. Its creation reflects the need for an institutionalized mechanism that addresses the particularities of the sporting environment, where speed, technical expertise, and regulatory stability are essential conditions for the proper functioning of competitions.

In Brazil, a country where football occupies a central role in both the collective imagination and social structure, Sports Justice plays a highly relevant role, particularly through the actions of the Superior Court of Sports Justice for Football (STJD). This important court stands out not only for judging disciplinary and regulatory infractions in national football but also for fulfilling a regulatory and educational function, directly influencing the conduct of athletes, officials, clubs, federations, and all those involved in Brazilian football.

This article presents an analysis of the mportance of Sports Justice within the Brazilian legal framework, with emphasis on the role played by the STJD. From its origins, legal foundations, institutional structure, and case law, the text seeks to demonstrate how this branch of Law contributes to promoting ethics, integrity, and legal certainty in football-related sporting competitions.

Keywords: Sports Justice; STJD; Brazilian Football; Sports Ethics; Competition Integrity

2. FUNDAMENTOS DA JUSTIÇA DESPORTIVA NO BRASIL

A origem da Justiça Desportiva brasileira remonta ao século XX (seu ato inicial foi a Resolução do Conselho Nacional de Desportos – CND n. 4, em 1942), quando se percebeu a necessidade de resolver litígios esportivos de forma mais célere e técnica do que a justiça estatal tradicional. Sua positivação ganhou robustez com a Constituição Federal de 1988, especialmente no art. 217, §1º, que condiciona o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva. Essa previsão constitucional garante a autonomia funcional e decisória da Justiça Desportiva, não como um poder paralelo ao Judiciário, mas como instância prévia e especializada para tratar das questões típicas das competições e da disciplina esportiva. Em termos práticos, tal sistema confere agilidade processual, respeito à autorregulação das entidades esportivas e preservação do ambiente competitivo.

A Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé) e, mais recentemente, a Lei n. 14.597/2023 (Lei Geral do Esporte) consolidam esse regime, organizando a Justiça Desportiva como um subsistema institucionalizado e obrigatório dentro das entidades de administração do desporto. Tais legislações estabelecem diretrizes para composição, funcionamento, competências e garantias dos tribunais desportivos. Complementando esse arcabouço, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) – principal norma aplicada pelo STJD nos casos a ele submetidos – apresenta uma codificação processual e material específica, que orienta os julgamentos em primeira e segunda instância, além de prever sanções, ritos, recursos e prazos, além de garantias e deveres processuais.

A função essencial da Justiça Desportiva é garantir a ordem e a disciplina no esporte, preservando a lealdade, o equilíbrio das competições e a proteção à integridade física e moral dos atletas e demais participantes. Mais do que resolver conflitos, ela assegura a legitimidade das disputas, o que, por sua vez, influencia diretamente a imagem pública do esporte.

3. ESTRUTURA E COMPETÊNCIA DO STJD

No topo da estrutura da Justiça Desportiva do futebol brasileiro está o STJD, órgão que exerce jurisdição nacional e atua como instância revisora das decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça Desportiva (TJDs) estaduais ou pelas Comissões Disciplinares vinculadas à Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

O STJD é composto pelo Tribunal Pleno e seis Comissões Disciplinares. Além disso, fazem parte do funcionamento do STJD a Procuradoria e a Secretaria. O Tribunal Pleno, instância hierarquicamente superior, é formado por nove auditores, com formação jurídica e reputação ilibada, nomeados conforme critérios estabelecidos no art. 55 da Lei Pelé e no CBJD, garantindo representatividade de diferentes segmentos envolvidos no desporto (clubes, atletas, árbitros e advogados).

Entre suas principais competências estão: (i) julgar recursos contra decisões dos tribunais estaduais e das comissões disciplinares; (ii) deliberar sobre medidas liminares e suspensivas em caráter de urgência; (iii) interpretar e aplicar o CBJD de forma uniforme, estabelecendo jurisprudência; e (iv) zelar pela legalidade dos atos desportivos e pela regularidade das competições.

A atuação do STJD vai além do mero julgamento de infrações disciplinares: ele exerce função reguladora, garantindo a estabilidade normativa no futebol, e também pedagógica, ao oferecer parâmetros de conduta e condicionar comportamentos de clubes e atletas a princípios éticos e legais. O STJD também se tornou referência internacional pela robustez de sua estrutura e pela independência de suas decisões.

4. A RELEVÂNCIA DA ATUAÇÃO DO STJD NO FUTEBOL BRASILEIRO

Ao longo das últimas décadas, o STJD consolidou-se como garantidor da integridade esportiva no Brasil, especialmente em um contexto marcado por intensa profissionalização, pressão midiática e disputas de alto valor econômico. Sua atuação tem sido decisiva para reprimir condutas antiéticas, prevenir abusos e restaurar a legitimidade de competições atingidas por irregularidades.

Diversas decisões do STJD demonstram seu papel determinante na história do futebol brasileiro:

• Caso Sandro Hiroshi (1999): O jogador atuou pelo São Paulo sem estar devidamente regularizado. O STJD interveio, alterando resultados de partidas e modificando a classificação do Campeonato Brasileiro. O caso consolidou o entendimento de que a regularidade documental dos atletas é inegociável. • Máfia do Apito (2005): Envolvendo a manipulação de jogos por árbitros em conluio com apostadores. O STJD, diante das evidências, determinou a anulação de 11 partidas e sua repetição, reafirmando a intolerância institucional à fraude esportiva. • Portuguesa (2013): O clube escalou irregularmente o jogador Héverton, o que acarretou sua punição com a perda de pontos e consequente rebaixamento. A decisão, embora impopular, demonstrou o rigor técnico do STJD na aplicação objetiva das normas. • Combate ao racismo e à homofobia (2019–atualmente): O STJD tem se posicionado firmemente diante de condutas discriminatórias, aplicando sanções pecuniárias, perda de mando de campo e até suspensão de competições. Tais decisões alinham o Brasil a padrões internacionais de direitos humanos no esporte. • Manipulação de apostas (2023–2025): Diante da expansão das plataformas de apostas, o STJD tem atuado em cooperação com o Ministério Público para identificar e punir esquemas de manipulação de resultados, o que reforça sua função de protetor da integridade das competições.

O STJD também possui papel relevante na formação de precedentes jurídicos desportivos, influenciando outras esferas da Justiça Desportiva e até decisões judiciais no Poder Judiciário comum. Suas decisões fundamentadas em princípios como proporcionalidade, razoabilidade, equidade e espírito desportivo tornam-se referências para acadêmicos, operadores do direito e órgãos de controle.

Além disso, o STJD desenvolve ações educativas e promove seminários, sobretudo através da Escola Nacional de Justiça Desportiva (ENAJD), publica julgados e incentiva o diálogo com a sociedade civil, demonstrando vocação institucional para além do punitivismo.

5. JUSTIÇA DESPORTIVA E GOVERNANÇA NO ESPORTE

A governança no esporte envolve a criação de estruturas institucionais que garantam transparência, prestação de contas, participação democrática e controle da corrupção. Nesse contexto, a Justiça Desportiva cumpre função estratégica, ao assegurar que as normas sejam aplicadas de forma imparcial e que os desvios de conduta sejam adequadamente sancionados.

O STJD, ao manter independência técnica e rigor normativo, contribui para a previsibilidade e confiança nas instituições esportivas, elementos fundamentais para a sustentabilidade do modelo desportivo, especialmente em tempos de judicialização e crescimento do mercado esportivo como atividade econômica relevante.

A atuação da Justiça Desportiva também preserva o espírito lúdico e ético do desporto, protegendo sua função social, educacional e integradora. Em um país com profundas desigualdades e onde o futebol cumpre papel de inclusão e mobilização coletiva, garantir a justiça nas regras do jogo é também uma forma de promover a cidadania e o respeito às normas sociais.

6. CONCLUSÃO

A Justiça Desportiva brasileira, com destaque para o STJD, representa uma das mais sólidas expressões de autorregulação institucional no sistema jurídico nacional. Ao conjugar especialização, celeridade e imparcialidade, garante a solução de conflitos em um campo de crescente complexidade técnica, econômica e ética.

O STJD, como guardião da moralidade esportiva no âmbito do futebol nacional, tem contribuído para a consolidação de uma cultura jurídica desportiva, pautada por valores como lealdade, respeito, igualdade de condições e integridade competitiva. Suas decisões, muitas vezes difíceis, inclusive no tocante à dosimetria da pena, evidenciam o compromisso com a legalidade e com a função educativa da pena desportiva.

À luz dos desafios contemporâneos — como o combate à violência nos estádios, o racismo, a corrupção e a manipulação de resultados — o fortalecimento da Justiça Desportiva revela-se urgente. Cabe ao STJD manter-se vigilante, ético e moderno, para que o esporte continue sendo sinônimo de justiça, emoção e dignidade.

A JUSTIÇA DESPORTIVA COMEMORA SEUS PRIMEIROS ENUNCIADOS

A JUSTIÇA DESPORTIVA COMEMORA SEUS PRIMEIROS ENUNCIADOS

09 de junho às 15:30

Por Demilro Campos, vice-presidente da 2ª Comissão Disciplinar

RESUMO

Aprovados no encerramento da I Jornada de Direito Desportivo, os primeiros enunciados da Justiça Desportiva brasileira representam um marco significativo rumo à consolidação do direito desportivo como ramo jurídico autônomo. Este artigo analisa os principais enunciados aprovados, destacando seus impactos na segurança jurídica, na ética esportiva e na governança institucional. Destacam-se temas como a proteção aos clubes formadores, a responsabilização por manipulação de resultados e os limites da responsabilidade civil nas praças esportivas.

Palavras-chave: Justiça Desportiva; Enunciados; Direito Desportivo; Ética Esportiva; Segurança Jurídica.

ABSTRACT

Approved at the conclusion of the First Sports Law Conference, the first enunciations of Brazilian Sports Justice mark a significant step toward the institutional consolidation of sports law as an autonomous legal field. This article analyzes the main approved enunciations, highlighting their impact on legal security, sports ethics, and institutional governance. Topics such as the protection of youth training clubs, accountability for match-fixing, and civil liability in sports venues are addressed.

Keywords: Sports Justice; Enunciations; Sports Law; Sports Ethics; Legal Security.

Aprovados no encerramento da I Jornada de Direito Desportivo, realizada em 5 de junho de 2025, os primeiros enunciados da Justiça Desportiva brasileira marcam um passo decisivo rumo à consolidação institucional do direito desportivo como ramo jurídico autônomo e maduro. O evento, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, com apoio da AJUFE, reuniu em Brasília juristas, autoridades do esporte e operadores do direito de diferentes regiões e esferas, todos mobilizados pela missão comum de fortalecer o ordenamento jurídico do esporte nacional.

O evento culminou na aprovação de 40 enunciados, fruto de um criterioso processo de análise de 357 propostas submetidas. Os debates foram pautados por elevado rigor técnico e pluralismo institucional, refletindo o compromisso dos participantes com a segurança jurídica, a integridade e a ética no esporte. A presença e o protagonismo de integrantes dos Tribunais de Justiça Desportiva, especialmente membros do STJD do Futebol, foram decisivos para a densidade das discussões e a solidez dos resultados alcançados. Vale destacar, inclusive, a atuação do presidente Luís Otávio Noronha Figueiredo, que incentivou ativamente o envolvimento da comunidade desportiva, bem como a contribuição do presidente do STJD do Surfe, Gustavo Teixeira, e o exemplo do Desembargador Flávio Boson, do TRF da 6ª Região, ex-integrante do STJD do Futebol, cuja experiência institucional enriqueceu significativamente os debates.

Entre os enunciados aprovados, destacam-se dispositivos que reforçam a proteção aos clubes, a responsabilização de condutas ilícitas e a estabilidade das relações esportivas. O Enunciado 2 foi um avanço importante para clubes formadores, ao consolidar que o vínculo meramente esportivo com atletas entre 12 e 14 anos não configura relação trabalhista, tampouco contrato de formação ou de aprendizagem. A medida resguarda a segurança jurídica e estimula os investimentos em categorias de base, sem afastar os princípios constitucionais de proteção integral.

No mesmo sentido de proteção institucional, o Enunciado 10 reconhece que atletas envolvidos em manipulação de resultados cometem ato de improbidade, o que autoriza a dispensa por justa causa nos termos da CLT. O dispositivo reforça a integridade competitiva e promove um necessário efeito pedagógico.

O Enunciado 23 também merece destaque ao afirmar que o clube pode cobrar do torcedor identificado o ressarcimento por sanções sofridas, desde que haja comprovação do nexo causal. A medida valoriza o princípio da responsabilidade civil, combate o comportamento antidesportivo e protege os entes esportivos.

Na seara da governança e cooperação institucional, o Enunciado 26 recomenda o compartilhamento de informações entre entidades e órgãos de investigação em casos de suspeitas de manipulação de resultados, promovendo a transparência e a eficácia no enfrentamento de fraudes.

Já o Enunciado 38, ao tratar da responsabilidade por atos violentos nas praças esportivas, reforça o entendimento de que a entidade mandante responde pelos danos aos torcedores, salvo se demonstrar que adotou as medidas preventivas cabíveis. Embora mantenha a linha tradicional e consolidada, o tema segue desafiador.

Apresentei, ainda que de forma remota e modesta, uma proposta que buscava ampliar esse entendimento, defendendo que a responsabilidade dos clubes se estendesse também a episódios ocorridos fora dos estádios — como ataques a delegações, tumultos em deslocamentos ou condutas discriminatórias —, desde que associados diretamente à realização do evento esportivo. Embora não aprovada, a proposta reflete um debate necessário e que deve permanecer vivo, especialmente diante da evolução dos riscos e das dinâmicas que cercam o futebol moderno.

A intenção foi propor uma interpretação mais abrangente do art. 213 do CBJD, alinhada ao art. 116 do Regulamento Geral das Competições da CBF de 2025, a fim de incluir, de forma clara, episódios de violência, manifestações discriminatórias, tumultos ou agressões que ocorrem fora dos estádios, mas que guardam vínculo direto com o espetáculo esportivo.

Como apaixonado pelo desporto brasileiro e pela Justiça Desportiva, e tendo a honra de atuar como auditor do STJD do Futebol e do Vôlei, Procurador-Geral do STJD do Surfe e ter sido presidente do TJDPE, celebro a maturidade institucional da Jornada e o legado deixado por essa importante iniciativa. Os enunciados aprovados não apenas reforçam a segurança jurídica das competições e a uniformização da jurisprudência desportiva, como demonstram que é possível construir um sistema normativo mais justo, estável e ético, sustentado por diálogo qualificado e pelo respeito à dignidade humana como princípio inegociável.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E ARBITRAGEM NO ESPORTE: AVANÇOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS FUTURAS

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E ARBITRAGEM NO ESPORTE: AVANÇOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS FUTURAS

29 de abril às 15:30

Por Aline Gonçalves Jatahy, Auditora da 6ª Comissão Disciplinar

RESUMO

O presente artigo analisa os impactos da inteligência artificial (IA) na arbitragem esportiva, com ênfase na utilização de tecnologias como o VAR (Video Assistant Referee), Hawk-Eye e Goal-Line Technology. Embora tais sistemas contribuam para maior precisão e redução de erros nas decisões, sua implementação suscita relevantes questionamentos jurídicos, especialmente no que tange à responsabilidade por falhas, à autonomia do árbitro e às adaptações nas regras esportivas. A ausência de regulamentação específica agrava tais desafios, exigindo discussões aprofundadas no âmbito doutrinário e legislativo. Conclui-se que o futuro da arbitragem esportiva reside na adoção de um modelo híbrido, em que a inteligência artificial atue como ferramenta de apoio à expertise humana, assegurando justiça sem comprometer a essência do esporte.

Palavras-chave: Arbitragem esportiva. Inteligência artificial. VAR. Responsabilidade jurídica. Tecnologia no esporte.

ABSTRACT

This article analyzes the impact of artificial intelligence (AI) on sports refereeing, with an emphasis on technologies such as Video Assistant Referee (VAR), Hawk-Eye, and Goal-Line Technology. Although these systems enhance the accuracy and reduce errors in decision-making, their implementation raises significant legal concerns, particularly regarding liability for failures, referee autonomy, and changes in sports rules. The lack of specific regulation aggravates these issues, demanding deeper doctrinal and legislative discussions. The study concludes that the future of sports refereeing lies in adopting a hybrid model, where AI acts as a support tool to human expertise, ensuring fairness without compromising the essence of sports.

Keywords: Sports refereeing. Artificial intelligence. VAR. Legal liability. Sports technology.

INTRODUÇÃO

O uso da inteligência artificial (IA) no esporte tem se tornado cada vez mais comum, especialmente na arbitragem esportiva. Sistemas como o VAR (Video Assistant Referee) e o Hawk-Eye são exemplos da aplicação de tecnologia na tomada de decisões em competições de alto nível. No entanto, a implementação da IA na arbitragem levanta uma série de questionamentos jurídicos, incluindo a confiabilidade da tecnologia, a responsabilidade por erros e a compatibilidade com os princípios do direito desportivo. Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo analisar os impactos da inteligência artificial na arbitragem esportiva, abordando legislações aplicáveis, jurisprudência relevante e o posicionamento de doutrinadores sobre o tema. Ao final, será feita uma reflexão sobre o futuro da arbitragem esportiva diante da crescente automatização das decisões.

O USO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA ARBITRAGEM ESPORTIVA

A arbitragem esportiva tradicionalmente depende da interpretação humana, sujeita a erros e controvérsias. Com o avanço da tecnologia, a IA tem sido empregada para minimizar falhas e garantir maior precisão nas decisões. Alguns dos principais sistemas utilizados incluem: • VAR (Árbitro Assistente de Vídeo): utilizado no futebol para revisar lances polêmicos, como impedimentos e pênaltis. • Hawk-Eye: empregado no tênis e no futebol para verificar se a bola cruzou a linha do gol ou da quadra. • Goal-Line Technology: sistema específico para detectar gols, eliminando dúvidas sobre se a bola ultrapassou a linha. A introdução dessas tecnologias foi acompanhada de intensos debates sobre a autonomia do árbitro, a interferência na dinâmica do jogo e a confiabilidade das decisões automatizadas. No Brasil, a regulamentação da arbitragem esportiva está prevista no Código Brasileiro de

Justiça Desportiva (CBJD) e no Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003), que preveem o uso de meios tecnológicos para auxiliar a arbitragem.

ASPECTOS JURÍDICOS E CONTROVÉRSIAS

Responsabilidade por Erros da IA

Uma das principais preocupações no uso da IA na arbitragem esportiva é a responsabilidade por eventuais erros ou falhas nos sistemas tecnológicos. No caso do VAR, por exemplo, há situações em que a interpretação das imagens não é objetiva, o que pode levar a decisões equivocadas. Em 2023, o Tribunal Arbitral do Esporte (CAS/TAS) julgou um caso envolvendo um erro do VAR na Premier League, em que um gol foi invalidado indevidamente devido a uma falha no software. O Código de Justiça Desportiva não prevê explicitamente a responsabilidade por decisões baseadas em tecnologia, o que gera um vácuo normativo. Doutrinadores como José Manuel Meirim defendem que a responsabilidade deve ser compartilhada entre as entidades esportivas e os fornecedores de tecnologia, enquanto outros, como Ruy Júnior, argumentam que o árbitro continua sendo o responsável final pela decisão.

Princípio da Autonomia do Árbitro e a IA

Outro ponto de debate é a relação entre a IA e o princípio da autonomia do árbitro. Segundo José Manuel Meirim, a arbitragem esportiva deve manter a soberania do árbitro na interpretação dos lances, sendo a tecnologia apenas um suporte. No entanto, há uma crescente dependência dos árbitros em relação ao VAR, o que levanta questionamentos sobre se a tecnologia estaria, de fato, substituindo a autoridade do árbitro humano. No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) já analisou casos em que árbitros alegaram falha do VAR para justificar decisões erradas, reforçando a necessidade de regulamentação específica sobre a responsabilidade do uso da IA.

Impacto nas Regras Esportivas

A implementação da IA também tem exigido adaptações nas regras dos esportes. Em 2022, a International Football Association Board (IFAB) aprovou mudanças para otimizar o uso do VAR, permitindo maior transparência na comunicação das decisões. No tênis, a ATP e a WTA autorizaram a substituição de árbitros de linha pelo Hawk-Eye em determinados torneios, gerando debates sobre a possível extinção de algumas funções de arbitragem humana.

PERSPECTIVAS FUTURAS: O PAPEL DA IA NA ARBITRAGEM ESPORTIVA

Diante da crescente incorporação da IA na arbitragem esportiva, algumas tendências e desafios podem ser apontados para o futuro: 1. Aprimoramento da Tecnologia: espera-se que os sistemas de arbitragem assistida se tornem mais precisos e rápidos, reduzindo ainda mais os erros. 2. Criação de Regulamentação Específica: órgãos como a FIFA e o COI devem desenvolver regras mais detalhadas sobre o uso da IA incluindo a responsabilidade por falhas. 3. Maior Transparência: tecnologias de inteligência artificial podem permitir que torcedores e atletas tenham acesso em tempo real às decisões arbitrárias, reduzindo polêmicas. 4. Discussão sobre o Limite da Automatização: um grande desafio será definir até que ponto a arbitragem deve ser automatizada sem comprometer a essência do esporte. Como destaca José Manuel Meirim, “a tecnologia não pode substituir a justiça esportiva, mas pode ser um instrumento para sua concretização”. Essa visão sugere que o futuro da arbitragem esportiva não está na eliminação do árbitro humano, mas na criação de um modelo híbrido, em que a inteligência artificial e a expertise humana atuem conjuntamente.

CONCLUSÃO

A inteligência artificial já é uma realidade na arbitragem esportiva, trazendo benefícios significativos, como maior precisão e redução de erros. No entanto, ainda há desafios a serem enfrentados, especialmente no que diz respeito à responsabilidade por decisões automatizadas e à preservação da autonomia do árbitro. No âmbito jurídico, a ausência de regulamentação específica sobre o uso da IA na arbitragem esportiva reforça a necessidade de debates aprofundados e de uma legislação clara para garantir a segurança jurídica das competições. No futuro, a tendência é que a tecnologia continue evoluindo, tornando-se cada vez mais presente no esporte. Contudo, é essencial que sua implementação ocorra de forma equilibrada, garantindo que a justiça esportiva seja fortalecida sem comprometer a essência das competições.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

IFAB. Regras do Jogo 2022/2023. Disponível em: https://www.theifab.com/. Acesso em: 4 fev. 2025. MEIRIM, José Manuel. A Arbitragem no esporte e a tecnologia. Lisboa: Almedina, 2022. RUY JÚNIOR. VAR e a responsabilidade jurídica do árbitro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. TRIBUNAL ARBITRAL DO ESPORTE (CAS/TAS). Decisões recentes sobre VAR e arbitragem esportiva. Disponível em: https://www.tas-cas.org/. Acesso em: 4 fev. 2025.


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