INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E ARBITRAGEM NO ESPORTE: AVANÇOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS FUTURAS
29 de abril às 18:30
Por Aline Gonçalves Jatahy, Auditora da 6ª Comissão Disciplinar
RESUMO
O presente artigo analisa os impactos da inteligência artificial (IA) na arbitragem esportiva, com ênfase na utilização de tecnologias como o VAR (Video Assistant Referee), Hawk-Eye e Goal-Line Technology. Embora tais sistemas contribuam para maior precisão e redução de erros nas decisões, sua implementação suscita relevantes questionamentos jurídicos, especialmente no que tange à responsabilidade por falhas, à autonomia do árbitro e às adaptações nas regras esportivas. A ausência de regulamentação específica agrava tais desafios, exigindo discussões aprofundadas no âmbito doutrinário e legislativo. Conclui-se que o futuro da arbitragem esportiva reside na adoção de um modelo híbrido, em que a inteligência artificial atue como ferramenta de apoio à expertise humana, assegurando justiça sem comprometer a essência do esporte.
Palavras-chave: Arbitragem esportiva. Inteligência artificial. VAR. Responsabilidade jurídica. Tecnologia no esporte.
ABSTRACT
This article analyzes the impact of artificial intelligence (AI) on sports refereeing, with an emphasis on technologies such as Video Assistant Referee (VAR), Hawk-Eye, and Goal-Line Technology. Although these systems enhance the accuracy and reduce errors in decision-making, their implementation raises significant legal concerns, particularly regarding liability for failures, referee autonomy, and changes in sports rules. The lack of specific regulation aggravates these issues, demanding deeper doctrinal and legislative discussions. The study concludes that the future of sports refereeing lies in adopting a hybrid model, where AI acts as a support tool to human expertise, ensuring fairness without compromising the essence of sports.
Keywords: Sports refereeing. Artificial intelligence. VAR. Legal liability. Sports technology.
INTRODUÇÃO
O uso da inteligência artificial (IA) no esporte tem se tornado cada vez mais comum, especialmente na arbitragem esportiva. Sistemas como o VAR (Video Assistant Referee) e o Hawk-Eye são exemplos da aplicação de tecnologia na tomada de decisões em competições de alto nível. No entanto, a implementação da IA na arbitragem levanta uma série de questionamentos jurídicos, incluindo a confiabilidade da tecnologia, a responsabilidade por erros e a compatibilidade com os princípios do direito desportivo.
Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo analisar os impactos da inteligência artificial na arbitragem esportiva, abordando legislações aplicáveis, jurisprudência relevante e o posicionamento de doutrinadores sobre o tema. Ao final, será feita uma reflexão sobre o futuro da arbitragem esportiva diante da crescente automatização das decisões.
O USO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA ARBITRAGEM ESPORTIVA
A arbitragem esportiva tradicionalmente depende da interpretação humana, sujeita a erros e controvérsias. Com o avanço da tecnologia, a IA tem sido empregada para minimizar falhas e garantir maior precisão nas decisões. Alguns dos principais sistemas utilizados incluem:
• VAR (Árbitro Assistente de Vídeo): utilizado no futebol para revisar lances polêmicos, como impedimentos e pênaltis.
• Hawk-Eye: empregado no tênis e no futebol para verificar se a bola cruzou a linha do gol ou da quadra.
• Goal-Line Technology: sistema específico para detectar gols, eliminando dúvidas sobre se a bola ultrapassou a linha.
A introdução dessas tecnologias foi acompanhada de intensos debates sobre a autonomia do árbitro, a interferência na dinâmica do jogo e a confiabilidade das decisões automatizadas. No Brasil, a regulamentação da arbitragem esportiva está prevista no Código Brasileiro de
Justiça Desportiva (CBJD) e no Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003), que preveem o uso de meios tecnológicos para auxiliar a arbitragem.
ASPECTOS JURÍDICOS E CONTROVÉRSIAS
Responsabilidade por Erros da IA
Uma das principais preocupações no uso da IA na arbitragem esportiva é a responsabilidade por eventuais erros ou falhas nos sistemas tecnológicos. No caso do VAR, por exemplo, há situações em que a interpretação das imagens não é objetiva, o que pode levar a decisões equivocadas. Em 2023, o Tribunal Arbitral do Esporte (CAS/TAS) julgou um caso envolvendo um erro do VAR na Premier League, em que um gol foi invalidado indevidamente devido a uma falha no software.
O Código de Justiça Desportiva não prevê explicitamente a responsabilidade por decisões baseadas em tecnologia, o que gera um vácuo normativo. Doutrinadores como José Manuel Meirim defendem que a responsabilidade deve ser compartilhada entre as entidades esportivas e os fornecedores de tecnologia, enquanto outros, como Ruy Júnior, argumentam que o árbitro continua sendo o responsável final pela decisão.
Princípio da Autonomia do Árbitro e a IA
Outro ponto de debate é a relação entre a IA e o princípio da autonomia do árbitro. Segundo José Manuel Meirim, a arbitragem esportiva deve manter a soberania do árbitro na interpretação dos lances, sendo a tecnologia apenas um suporte. No entanto, há uma crescente dependência dos árbitros em relação ao VAR, o que levanta questionamentos sobre se a tecnologia estaria, de fato, substituindo a autoridade do árbitro humano.
No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) já analisou casos em que árbitros alegaram falha do VAR para justificar decisões erradas, reforçando a necessidade de regulamentação específica sobre a responsabilidade do uso da IA.
Impacto nas Regras Esportivas
A implementação da IA também tem exigido adaptações nas regras dos esportes. Em 2022, a International Football Association Board (IFAB) aprovou mudanças para otimizar o uso do VAR, permitindo maior transparência na comunicação das decisões. No tênis, a ATP e a WTA autorizaram a substituição de árbitros de linha pelo Hawk-Eye em determinados torneios, gerando debates sobre a possível extinção de algumas funções de arbitragem humana.
PERSPECTIVAS FUTURAS: O PAPEL DA IA NA ARBITRAGEM ESPORTIVA
Diante da crescente incorporação da IA na arbitragem esportiva, algumas tendências e desafios podem ser apontados para o futuro:
1. Aprimoramento da Tecnologia: espera-se que os sistemas de arbitragem assistida se tornem mais precisos e rápidos, reduzindo ainda mais os erros.
2. Criação de Regulamentação Específica: órgãos como a FIFA e o COI devem desenvolver regras mais detalhadas sobre o uso da IA incluindo a responsabilidade por falhas.
3. Maior Transparência: tecnologias de inteligência artificial podem permitir que torcedores e atletas tenham acesso em tempo real às decisões arbitrárias, reduzindo polêmicas.
4. Discussão sobre o Limite da Automatização: um grande desafio será definir até que ponto a arbitragem deve ser automatizada sem comprometer a essência do esporte.
Como destaca José Manuel Meirim, “a tecnologia não pode substituir a justiça esportiva, mas pode ser um instrumento para sua concretização”. Essa visão sugere que o futuro da arbitragem esportiva não está na eliminação do árbitro humano, mas na criação de um modelo híbrido, em que a inteligência artificial e a expertise humana atuem conjuntamente.
CONCLUSÃO
A inteligência artificial já é uma realidade na arbitragem esportiva, trazendo benefícios significativos, como maior precisão e redução de erros. No entanto, ainda há desafios a serem enfrentados, especialmente no que diz respeito à responsabilidade por decisões automatizadas e à preservação da autonomia do árbitro.
No âmbito jurídico, a ausência de regulamentação específica sobre o uso da IA na arbitragem esportiva reforça a necessidade de debates aprofundados e de uma legislação clara para garantir a segurança jurídica das competições.
No futuro, a tendência é que a tecnologia continue evoluindo, tornando-se cada vez mais presente no esporte. Contudo, é essencial que sua implementação ocorra de forma equilibrada, garantindo que a justiça esportiva seja fortalecida sem comprometer a essência das competições.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
IFAB. Regras do Jogo 2022/2023. Disponível em: https://www.theifab.com/. Acesso em: 4 fev. 2025.
MEIRIM, José Manuel. A Arbitragem no esporte e a tecnologia. Lisboa: Almedina, 2022.
RUY JÚNIOR. VAR e a responsabilidade jurídica do árbitro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
TRIBUNAL ARBITRAL DO ESPORTE (CAS/TAS). Decisões recentes sobre VAR e arbitragem esportiva. Disponível em: https://www.tas-cas.org/. Acesso em: 4 fev. 2025.