Logo
BgTop
Sem nome.png

A JUSTIÇA NO ESPORTE E A RELEVÂNCIA INSTITUCIONAL DO STJD

17 de junho às 20:15

Por Luís Otávio Veríssimo Teixeira, Presidente do STJD do Futebol, e Gustavo Favero Vaughn, Auditor da 4ª CD do STJD do Futebol

1. RESUMO

A Justiça Desportiva constitui um subsistema jurídico específico, concebido para regular e pacificar os conflitos oriundos da prática esportiva. Sua criação reflete a necessidade de um mecanismo institucionalizado que atenda às particularidades do ambiente desportivo, no qual a celeridade, a tecnicidade e a estabilidade normativa são condições essenciais para o bom funcionamento das competições.

No Brasil, país em que o futebol ocupa posição central no imaginário coletivo e na estrutura social, a Justiça Desportiva desempenha função de grande relevância, especialmente por meio da atuação do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD). Esse relevante tribunal destaca-se não apenas por julgar infrações disciplinares e regulamentares no futebol nacional, mas também por exercer papel regulador e pedagógico, influenciando diretamente as condutas de atletas, dirigentes, clubes, federações e todos aqueles que de algum modo se envolvem com o futebol brasileiro.

Neste breve artigo, apresentar-se-á uma análise da importância da Justiça Desportiva no cenário jurídico brasileiro, com ênfase no papel desempenhado pelo STJD. A partir de sua origem, fundamentos legais, estrutura institucional e jurisprudência, procura-se demonstrar como esse ramo do Direito contribui para a promoção da ética, da integridade e da segurança jurídica nas competições esportivas relativas ao futebol.

Palavras-chave: Justiça Desportiva; STJD; Futebol Brasileiro.

ABSTRACT

Sports Justice constitutes a specific legal subsystem designed to regulate and resolve conflicts arising from sports practice. Its creation reflects the need for an institutionalized mechanism that addresses the particularities of the sporting environment, where speed, technical expertise, and regulatory stability are essential conditions for the proper functioning of competitions.

In Brazil, a country where football occupies a central role in both the collective imagination and social structure, Sports Justice plays a highly relevant role, particularly through the actions of the Superior Court of Sports Justice for Football (STJD). This important court stands out not only for judging disciplinary and regulatory infractions in national football but also for fulfilling a regulatory and educational function, directly influencing the conduct of athletes, officials, clubs, federations, and all those involved in Brazilian football.

This article presents an analysis of the mportance of Sports Justice within the Brazilian legal framework, with emphasis on the role played by the STJD. From its origins, legal foundations, institutional structure, and case law, the text seeks to demonstrate how this branch of Law contributes to promoting ethics, integrity, and legal certainty in football-related sporting competitions.

Keywords: Sports Justice; STJD; Brazilian Football; Sports Ethics; Competition Integrity

2. FUNDAMENTOS DA JUSTIÇA DESPORTIVA NO BRASIL

A origem da Justiça Desportiva brasileira remonta ao século XX (seu ato inicial foi a Resolução do Conselho Nacional de Desportos – CND n. 4, em 1942), quando se percebeu a necessidade de resolver litígios esportivos de forma mais célere e técnica do que a justiça estatal tradicional. Sua positivação ganhou robustez com a Constituição Federal de 1988, especialmente no art. 217, §1º, que condiciona o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva. Essa previsão constitucional garante a autonomia funcional e decisória da Justiça Desportiva, não como um poder paralelo ao Judiciário, mas como instância prévia e especializada para tratar das questões típicas das competições e da disciplina esportiva. Em termos práticos, tal sistema confere agilidade processual, respeito à autorregulação das entidades esportivas e preservação do ambiente competitivo.

A Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé) e, mais recentemente, a Lei n. 14.597/2023 (Lei Geral do Esporte) consolidam esse regime, organizando a Justiça Desportiva como um subsistema institucionalizado e obrigatório dentro das entidades de administração do desporto. Tais legislações estabelecem diretrizes para composição, funcionamento, competências e garantias dos tribunais desportivos. Complementando esse arcabouço, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) – principal norma aplicada pelo STJD nos casos a ele submetidos – apresenta uma codificação processual e material específica, que orienta os julgamentos em primeira e segunda instância, além de prever sanções, ritos, recursos e prazos, além de garantias e deveres processuais.

A função essencial da Justiça Desportiva é garantir a ordem e a disciplina no esporte, preservando a lealdade, o equilíbrio das competições e a proteção à integridade física e moral dos atletas e demais participantes. Mais do que resolver conflitos, ela assegura a legitimidade das disputas, o que, por sua vez, influencia diretamente a imagem pública do esporte.

3. ESTRUTURA E COMPETÊNCIA DO STJD

No topo da estrutura da Justiça Desportiva do futebol brasileiro está o STJD, órgão que exerce jurisdição nacional e atua como instância revisora das decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça Desportiva (TJDs) estaduais ou pelas Comissões Disciplinares vinculadas à Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

O STJD é composto pelo Tribunal Pleno e seis Comissões Disciplinares. Além disso, fazem parte do funcionamento do STJD a Procuradoria e a Secretaria. O Tribunal Pleno, instância hierarquicamente superior, é formado por nove auditores, com formação jurídica e reputação ilibada, nomeados conforme critérios estabelecidos no art. 55 da Lei Pelé e no CBJD, garantindo representatividade de diferentes segmentos envolvidos no desporto (clubes, atletas, árbitros e advogados).

Entre suas principais competências estão: (i) julgar recursos contra decisões dos tribunais estaduais e das comissões disciplinares; (ii) deliberar sobre medidas liminares e suspensivas em caráter de urgência; (iii) interpretar e aplicar o CBJD de forma uniforme, estabelecendo jurisprudência; e (iv) zelar pela legalidade dos atos desportivos e pela regularidade das competições.

A atuação do STJD vai além do mero julgamento de infrações disciplinares: ele exerce função reguladora, garantindo a estabilidade normativa no futebol, e também pedagógica, ao oferecer parâmetros de conduta e condicionar comportamentos de clubes e atletas a princípios éticos e legais. O STJD também se tornou referência internacional pela robustez de sua estrutura e pela independência de suas decisões.

4. A RELEVÂNCIA DA ATUAÇÃO DO STJD NO FUTEBOL BRASILEIRO

Ao longo das últimas décadas, o STJD consolidou-se como garantidor da integridade esportiva no Brasil, especialmente em um contexto marcado por intensa profissionalização, pressão midiática e disputas de alto valor econômico. Sua atuação tem sido decisiva para reprimir condutas antiéticas, prevenir abusos e restaurar a legitimidade de competições atingidas por irregularidades.

Diversas decisões do STJD demonstram seu papel determinante na história do futebol brasileiro:

• Caso Sandro Hiroshi (1999): O jogador atuou pelo São Paulo sem estar devidamente regularizado. O STJD interveio, alterando resultados de partidas e modificando a classificação do Campeonato Brasileiro. O caso consolidou o entendimento de que a regularidade documental dos atletas é inegociável. • Máfia do Apito (2005): Envolvendo a manipulação de jogos por árbitros em conluio com apostadores. O STJD, diante das evidências, determinou a anulação de 11 partidas e sua repetição, reafirmando a intolerância institucional à fraude esportiva. • Portuguesa (2013): O clube escalou irregularmente o jogador Héverton, o que acarretou sua punição com a perda de pontos e consequente rebaixamento. A decisão, embora impopular, demonstrou o rigor técnico do STJD na aplicação objetiva das normas. • Combate ao racismo e à homofobia (2019–atualmente): O STJD tem se posicionado firmemente diante de condutas discriminatórias, aplicando sanções pecuniárias, perda de mando de campo e até suspensão de competições. Tais decisões alinham o Brasil a padrões internacionais de direitos humanos no esporte. • Manipulação de apostas (2023–2025): Diante da expansão das plataformas de apostas, o STJD tem atuado em cooperação com o Ministério Público para identificar e punir esquemas de manipulação de resultados, o que reforça sua função de protetor da integridade das competições.

O STJD também possui papel relevante na formação de precedentes jurídicos desportivos, influenciando outras esferas da Justiça Desportiva e até decisões judiciais no Poder Judiciário comum. Suas decisões fundamentadas em princípios como proporcionalidade, razoabilidade, equidade e espírito desportivo tornam-se referências para acadêmicos, operadores do direito e órgãos de controle.

Além disso, o STJD desenvolve ações educativas e promove seminários, sobretudo através da Escola Nacional de Justiça Desportiva (ENAJD), publica julgados e incentiva o diálogo com a sociedade civil, demonstrando vocação institucional para além do punitivismo.

5. JUSTIÇA DESPORTIVA E GOVERNANÇA NO ESPORTE

A governança no esporte envolve a criação de estruturas institucionais que garantam transparência, prestação de contas, participação democrática e controle da corrupção. Nesse contexto, a Justiça Desportiva cumpre função estratégica, ao assegurar que as normas sejam aplicadas de forma imparcial e que os desvios de conduta sejam adequadamente sancionados.

O STJD, ao manter independência técnica e rigor normativo, contribui para a previsibilidade e confiança nas instituições esportivas, elementos fundamentais para a sustentabilidade do modelo desportivo, especialmente em tempos de judicialização e crescimento do mercado esportivo como atividade econômica relevante.

A atuação da Justiça Desportiva também preserva o espírito lúdico e ético do desporto, protegendo sua função social, educacional e integradora. Em um país com profundas desigualdades e onde o futebol cumpre papel de inclusão e mobilização coletiva, garantir a justiça nas regras do jogo é também uma forma de promover a cidadania e o respeito às normas sociais.

6. CONCLUSÃO

A Justiça Desportiva brasileira, com destaque para o STJD, representa uma das mais sólidas expressões de autorregulação institucional no sistema jurídico nacional. Ao conjugar especialização, celeridade e imparcialidade, garante a solução de conflitos em um campo de crescente complexidade técnica, econômica e ética.

O STJD, como guardião da moralidade esportiva no âmbito do futebol nacional, tem contribuído para a consolidação de uma cultura jurídica desportiva, pautada por valores como lealdade, respeito, igualdade de condições e integridade competitiva. Suas decisões, muitas vezes difíceis, inclusive no tocante à dosimetria da pena, evidenciam o compromisso com a legalidade e com a função educativa da pena desportiva.

À luz dos desafios contemporâneos — como o combate à violência nos estádios, o racismo, a corrupção e a manipulação de resultados — o fortalecimento da Justiça Desportiva revela-se urgente. Cabe ao STJD manter-se vigilante, ético e moderno, para que o esporte continue sendo sinônimo de justiça, emoção e dignidade.


Pesquisa Geral



LogoBlack

Superior Tribunal de Justiça Deportiva de Futebol © Todos os direitos reservados