
A JUSTIÇA DESPORTIVA COMEMORA SEUS PRIMEIROS ENUNCIADOS
09 de junho às 18:30
Por Demilro Campos, vice-presidente da 2ª Comissão Disciplinar
RESUMO
Aprovados no encerramento da I Jornada de Direito Desportivo, os primeiros enunciados da Justiça Desportiva brasileira representam um marco significativo rumo à consolidação do direito desportivo como ramo jurídico autônomo. Este artigo analisa os principais enunciados aprovados, destacando seus impactos na segurança jurídica, na ética esportiva e na governança institucional. Destacam-se temas como a proteção aos clubes formadores, a responsabilização por manipulação de resultados e os limites da responsabilidade civil nas praças esportivas.
Palavras-chave: Justiça Desportiva; Enunciados; Direito Desportivo; Ética Esportiva; Segurança Jurídica.
ABSTRACT
Approved at the conclusion of the First Sports Law Conference, the first enunciations of Brazilian Sports Justice mark a significant step toward the institutional consolidation of sports law as an autonomous legal field. This article analyzes the main approved enunciations, highlighting their impact on legal security, sports ethics, and institutional governance. Topics such as the protection of youth training clubs, accountability for match-fixing, and civil liability in sports venues are addressed.
Keywords: Sports Justice; Enunciations; Sports Law; Sports Ethics; Legal Security.
Aprovados no encerramento da I Jornada de Direito Desportivo, realizada em 5 de junho de 2025, os primeiros enunciados da Justiça Desportiva brasileira marcam um passo decisivo rumo à consolidação institucional do direito desportivo como ramo jurídico autônomo e maduro. O evento, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, com apoio da AJUFE, reuniu em Brasília juristas, autoridades do esporte e operadores do direito de diferentes regiões e esferas, todos mobilizados pela missão comum de fortalecer o ordenamento jurídico do esporte nacional.
O evento culminou na aprovação de 40 enunciados, fruto de um criterioso processo de análise de 357 propostas submetidas. Os debates foram pautados por elevado rigor técnico e pluralismo institucional, refletindo o compromisso dos participantes com a segurança jurídica, a integridade e a ética no esporte. A presença e o protagonismo de integrantes dos Tribunais de Justiça Desportiva, especialmente membros do STJD do Futebol, foram decisivos para a densidade das discussões e a solidez dos resultados alcançados. Vale destacar, inclusive, a atuação do presidente Luís Otávio Noronha Figueiredo, que incentivou ativamente o envolvimento da comunidade desportiva, bem como a contribuição do presidente do STJD do Surfe, Gustavo Teixeira, e o exemplo do Desembargador Flávio Boson, do TRF da 6ª Região, ex-integrante do STJD do Futebol, cuja experiência institucional enriqueceu significativamente os debates.
Entre os enunciados aprovados, destacam-se dispositivos que reforçam a proteção aos clubes, a responsabilização de condutas ilícitas e a estabilidade das relações esportivas. O Enunciado 2 foi um avanço importante para clubes formadores, ao consolidar que o vínculo meramente esportivo com atletas entre 12 e 14 anos não configura relação trabalhista, tampouco contrato de formação ou de aprendizagem. A medida resguarda a segurança jurídica e estimula os investimentos em categorias de base, sem afastar os princípios constitucionais de proteção integral.
No mesmo sentido de proteção institucional, o Enunciado 10 reconhece que atletas envolvidos em manipulação de resultados cometem ato de improbidade, o que autoriza a dispensa por justa causa nos termos da CLT. O dispositivo reforça a integridade competitiva e promove um necessário efeito pedagógico.
O Enunciado 23 também merece destaque ao afirmar que o clube pode cobrar do torcedor identificado o ressarcimento por sanções sofridas, desde que haja comprovação do nexo causal. A medida valoriza o princípio da responsabilidade civil, combate o comportamento antidesportivo e protege os entes esportivos.
Na seara da governança e cooperação institucional, o Enunciado 26 recomenda o compartilhamento de informações entre entidades e órgãos de investigação em casos de suspeitas de manipulação de resultados, promovendo a transparência e a eficácia no enfrentamento de fraudes.
Já o Enunciado 38, ao tratar da responsabilidade por atos violentos nas praças esportivas, reforça o entendimento de que a entidade mandante responde pelos danos aos torcedores, salvo se demonstrar que adotou as medidas preventivas cabíveis. Embora mantenha a linha tradicional e consolidada, o tema segue desafiador.
Apresentei, ainda que de forma remota e modesta, uma proposta que buscava ampliar esse entendimento, defendendo que a responsabilidade dos clubes se estendesse também a episódios ocorridos fora dos estádios — como ataques a delegações, tumultos em deslocamentos ou condutas discriminatórias —, desde que associados diretamente à realização do evento esportivo. Embora não aprovada, a proposta reflete um debate necessário e que deve permanecer vivo, especialmente diante da evolução dos riscos e das dinâmicas que cercam o futebol moderno.
A intenção foi propor uma interpretação mais abrangente do art. 213 do CBJD, alinhada ao art. 116 do Regulamento Geral das Competições da CBF de 2025, a fim de incluir, de forma clara, episódios de violência, manifestações discriminatórias, tumultos ou agressões que ocorrem fora dos estádios, mas que guardam vínculo direto com o espetáculo esportivo.
Como apaixonado pelo desporto brasileiro e pela Justiça Desportiva, e tendo a honra de atuar como auditor do STJD do Futebol e do Vôlei, Procurador-Geral do STJD do Surfe e ter sido presidente do TJDPE, celebro a maturidade institucional da Jornada e o legado deixado por essa importante iniciativa. Os enunciados aprovados não apenas reforçam a segurança jurídica das competições e a uniformização da jurisprudência desportiva, como demonstram que é possível construir um sistema normativo mais justo, estável e ético, sustentado por diálogo qualificado e pelo respeito à dignidade humana como princípio inegociável.