Manipulação de Competições - Parte 1
06/01/2022 18h00 | STJD

https://olympics.com/athlete365/what-we-do/integrity/prevention-of-competition-manipulation/
1 Introdução - Conceito e Premissas de Integridade
Integridade na acepção coloquial do termo nada mais é do que a qualidade do que é íntegro. No sentido figurado é o que se revela honesto, probo, o que possui rigorosos e imprescindíveis padrões de conduta e preceitos éticos e morais. E não há meio termo para ética ou honestidade, ou você é ou não é! Meio honesto não cabe no conceito, e daí porque tanto ética como integridade dependem do “todo”, da unidade, daquilo que não pode ser mensurado em partes; que deve ser íntegro, por inteiro enfim.
No direito aplicável ao desporto, por exemplo, em sua face interna, a Integridade é a "política das Organizações Desportivas através de fortalecimento de aspectos éticos, transparência, governança e responsabilização de entidades de administração e de prática desportiva e seus dirigentes. Já a na sua face externa, a Integridade se caracteriza pelo conjunto de programas, processos, projetos ou atividades com a finalidade de resguardar a credibilidade de instituições desportivas, a organização de competições, valorização do fair-play e esporte limpo por meio de ações de combate a fraudes, corrupção, manipulação de resultados, doping, assédios, preconceitos e abusos no esporte."[2]
A sua implementação depende de adequadas premissas de compliance e governança, caracterizadas pelo ”conjunto de boas práticas com a finalidade de melhorar a qualidade da gestão desportiva e que pressupõe a criação de mecanismos independentes de controle interno e externo das atividades através de órgãos colegiados (assembleia geral, conselhos, comissões), amplo acesso, limitação e alternância de mandatos, bem como a adoção de instrumentos éticos (códigos de ética), de divulgação de informações (transparência), isonomia e equidade, prestação de contas e responsabilização."[3]
2 Temas Relevantes de Integridade
Os mais importantes e recorrentes temas da face externa da Integridade são os seguintes: (i) Match-Fixing (Manipulação de Competições); (ii) Assédio Moral, Sexual e Abusos; (iii) Doping; e (iv) Racismo, Discriminação e Preconceito.
Considerando a matriz e vetores de riscos e potencial de comprometimento de credibilidade com consequente falência da indústria do entretenimento e dos ideais inspiradores das atividades profissionais e não profissionais, os elegemos como formas de violência e fraude essenciais a serem combatidas no desporto.
3 Manipulação de Competições (Match-Fixing)
A manipulação esportiva (manipulação de resultados ou competições), especialmente aquela ligada ao mercado de apostas, é atualmente considerada no meio desportivo mundial a maior das ameaças à integridade do esporte em geral e, particularmente, do futebol. Casos de Match-Fixing, termo usualmente conhecido para fraudes relacionadas a apostas, têm ocorrido com preocupante frequência em todo o planeta. O futebol brasileiro já foi alvo diversas vezes da ação de agentes, aliciadores e manipuladores sendo que a Federação Paulista de Futebol chegou a provocar a ação das autoridades policiais e judiciárias em 2016. A operação que foi deflagrada sob o codinome de “Game Over”, resultou em várias prisões e ainda tramita na Justiça Criminal em São Paulo. E de lá para cá o futebol paulista ficou mais protegido em suas competições em razão de sólidas ações de integridade, mas lamentavelmente o mesmo não ocorreu em outras localidades e organizações esportivas.
3.1. O que é Manipulação de Competições?
Manipular competições, ou os seus resultados, consiste em agir de qualquer modo, deliberadamente, com a intenção retirar a imprevisibilidade e influenciar no resultado final ou em qualquer situação de uma partida, prova ou equivalente em qualquer modalidade esportiva. O match-fixing não se restringe a qualquer região do planeta ou modalidade esportiva. Trata-se de um fenômeno global e poliesportivo.
3.2. Infrações e normas regulamentares aplicáveis
*Campanha da politica do COB de prevenção e enfrentamento à Manipulação de Competições
Confira-se o conjunto de infrações e definições encartados no Código de Prevenção e Combate à Manipulação de Competições editado pelo Comitê Olímpico do Brasil - COB[4]:
CAPÍTULO IV - INFRAÇÕES
Art. 2o. As seguintes condutas, tal como definidas no presente artigo,
constituem infração ao presente Código:
I – Aposta:
II - Manipulação de competições desportivas: Um arranjo, um ato ou uma omissão intencionais visando uma alteração irregular do resultado ou do desenrolar de uma competição desportiva, a fim de suprimir total ou parcialmente a natureza imprevisível da Competição Desportiva com vista a obter um Benefício indevido para si ou para outrem.
III - Conduta corrupta: Providenciar, solicitar, receber, procurar ou aceitar um benefício relacionado com a manipulação de uma competição ou qualquer outra forma de corrupção associada a essa competição.
IV - Informação privilegiada:
V - Falha de denúncia:
VI - Falta de cooperação:
Art. 3o. Será considerada Infração, para efeitos do disposto no presente Código, a conduta do Participante quando:
I - Realizar, aceitar ou de outra forma participar em qualquer Aposta com qualquer outra parte relativamente ao resultado, progresso ou outra circunstância de qualquer Competição na qual o Participante esteja envolvido, conforme determinado pelo COB ou Organização Desportiva em causa;
II - Seduzir, facilitar ou abordar qualquer Participante ou parte terceira para entrar numa Aposta em relação ao resultado, progresso ou qualquer outra circunstância de qualquer Competição;
III - Garantir a ocorrência de uma determinada circunstância, em qualquer Competição, que possa razoavelmente esperar ser objeto de uma Aposta e para a qual o Participante, ou qualquer pessoa a si ligada, espera receber ou recebeu qualquer Benefício;
IV - Manipular ou de qualquer forma influenciar indevidamente o resultado, progresso ou qualquer outro aspeto de uma Competição;
V - Procurar, oferecer ou aceitar qualquer Benefício para manipular ou indevidamente influenciar o resultado, o progresso ou qualquer outro aspeto de qualquer Competição;
VI - Deixar de competir no melhor das suas competências em qualquer Competição para receber um Benefício para si ou para qualquer pessoa a si ligada;
VII - Fornecer ou receber qualquer Benefício por qualquer ato em circunstâncias que se podem razoavelmente esperar virem a colocar o desporto em descrédito;
VIII - Usar ou divulgar Informação Privilegiada a qualquer pessoa quando a divulgação dessa informação, em tais circunstâncias, possa ser usada em relação à realização de uma Aposta;
IX - Não revelar à Pessoa Designada ou às Autoridades Policiais detalhes completos de qualquer abordagem recebida para se envolver numa conduta que possa constituir uma infração ao presente Código, e/ou qualquer incidente ou assunto que venha a ser do seu conhecimento que possa constituir uma infração ao disposto no presente Código;
X - Solicitar, provocar ou facilitar qualquer Participante a agir contrariamente às disposições constantes nas alíneas anteriores.
O Regulamento Geral de Competições da Confederação Brasileira de Futebol – CBF 2021 e o RGC da Federação Paulista de Futebol, têm a seguinte previsão sobre o tema:
RGC CBF
Art. 55 – Com o objetivo de evitar a manipulação de resultado de partidas, considerar-se-á conduta ilícita praticada por atletas, técnicos, membros de comissão técnica, dirigentes e membros da equipe de arbitragem e todos aqueles que direta ou, indiretamente, possam exercer influência no resultado das partidas, os seguintes comportamentos:
I – apostar em si mesmo, ou permitir que alguém do seu convívio o faça, em seu oponente ou em partida de futebol;
II – instruir, encorajar ou facilitar qualquer outra pessoa a apostar em partida de futebol da qual esteja participando ou possa exercer influência;
III – assegurar a ocorrência de um acontecimento particular durante partida de futebol da qual esteja participando ou possa exercer influência, e que possa ser objeto de aposta ou pelo qual tenha recebido ou venha a receber qualquer recompensa;
IV – dar ou receber qualquer pagamento ou outro benefício em circunstâncias que possam razoavelmente gerar descrédito para si mesmo ou para o futebol; V – compartilhar informação sensível, privilegiada ou interna que possa assegurar uma vantagem injusta e acarretar a obtenção de algum ganho financeiro ou seu uso para fins de aposta;
VI – deixar de informar de imediato ao seu Clube, Federação Estadual ou à competente autoridade desportiva, policial ou judiciária, qualquer ameaça ou suspeita de comportamento corrupto, como por exemplo no caso de alguém se aproximar para perguntar sobre manipulação de qualquer aspecto de uma partida ou mediante promessa de recompensa financeira ou favores em troca de informação sensível.
Paragrafo único – Os Clubes e Federações deverão auxiliar atletas, técnicos, membros de comissão técnica, dirigentes e membros de equipe de arbitragem que denunciarem quaisquer práticas ou tentativas de manipulação de resultados visando, nos termos da Lei no 9.807/99, a sua inclusão em programas especiais de proteção a vítimas de ameaças ou testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas à grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal.
Art. 56 – As condutas ilícitas elencadas no art. 55 deste RGC, sem prejuízo de sua tipificação como crime nos termos dos artigos 41-C, 41-D e 41-E da Lei no 10.671/03, sujeitam-se também à aplicação de sanções administrativas fixadas neste dispositivo em sintonia com o art. 18 do Código Disciplinar da FIFA, bem como com as sanções previstas no art. 21 do Código de Ética e Conduta do Futebol Brasileiro.
RGC FPF
Art. 46 - Os Clubes participantes das Competições se comprometem a dirimir as demandas de natureza patrimonial na Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da Confederação Brasileira de Futebol.
Algumas circunstâncias de arranjo de resultados são bem óbvias. Ocorre manipulação, por exemplo, quando um atleta marca um gol contra de forma proposital, quando um goleiro deixa a bola entrar sem que tenha feito qualquer esforço para defendê-la ou ainda quando um árbitro comprovadamente mal-intencionado resolve marcar um pênalti inexistente. Outras, porém, chamam menos atenção da mídia e do público, mas são igualmente reprováveis. É o caso, por exemplo, do atleta que força uma expulsão de forma intencional para prejudicar sua própria equipe ou daquele que provoca situações artificiais de jogo com o intuito de tornar vencedora alguma aposta esportiva eventualmente realizada. No fim das contas, adentrar o campo de jogo para perder jogos intencionalmente ou para contribuir diretamente com apostadores são atitudes, além de criminosas, plenamente contrárias aos princípios da ética e da disciplina desportivas e que, em ambos os casos, não merecem ser toleradas.
* A parte 2 deste artigo será publicado na próxima quinta, dia 13 de janeiro.